Espiritismo e Maçonaria
Mariano Costa
Dizíamos no artigo anterior ("Catolicismo" no 22) que o interesse da Maçonaria na difusão do Espiritismo tem dois motivos e analisamos o primeiro deles. Passemos ao segundo que, como preveníamos, é o mais profundo e maléfico. Sobre ele queremos chamar de maneira especial a benévola atenção dos leitores, por se tratar de matéria da mais alta importância, que virá não só esclarecer a questão do Espiritismo em particular, como também lançar luzes sobre os horizontes de correntes de ideias dominantes no mundo profano e, porque não dizer, em certos ambientes católicos. Tentaremos, pois, mostrar como os esforços titânicos que se expendem na difusão do Espiritismo e de outras seitas ocultistas, a partir do fim do século passado, e cada vez mais se intensificam, correspondem a um grande e vasto plano maçônico, habilmente, disfarçadamente dirigido contra o âmago mesmo de nossa Santa Religião. O que se intenta, em termos precisos, é a transformação do Catolicismo numa vaga religiosidade que seus corifeus não se cansam de chamar de "religião do futuro", "religião universal", "religião da humanidade". Procuremos à luz de documentos históricos e de declarações dos próprios maçons expor, nas suas linhas gerais, esse ardil verdadeiramente satânico em que até os eleitos, se fosse possível estariam em perigo de tropeçar, e como ele se enquadra no plano geral da Seita.
PLANO GERAL MAÇONICO E SUAS ETAPAS
Hoje já não pairam dúvidas sobre os fins supremos da Judeu-Maçonaria. "O que ela tem em vista é a dominação. Para estabelecer esse domínio, não basta aniquilar nos corações o patriotismo, é necessário ainda, e sobretudo, extinguir neles a fé religiosa" (Delassus, L'Américanisme et la conjuration antichrétienne, Desclée De Brouwer; t. I, pag. 88). Um outro "irmão", Viviani, a 28 de Junho de 1901, da tribuna da Câmara dos Deputados em Paris, proclamava que a intenção da Maçonaria é "substituir a Religião da Humanidade à Religião Católica" (op. cit., pag. 81).
A Seita quer, pois, alcançar a hegemonia na ordem política e religiosa, tornando-se o centro diretor de todas as aspirações políticas e religiosas. Ora, quem não vê que para atingir esse desideratum o grande obstáculo, o único verdadeiro obstáculo a vencer é o Catolicismo? Quando Gambetta apontava o "clericalismo" como o único inimigo, evidentemente queria referir-se em linguagem das Lojas à Santa Igreja. Esta deve ser destruída, primeiro nas suas forças exteriores, na sua influencia política e social, nos seus privilégios e nos seus bens, pela implantação do laicismo de Estado e pelo latrocínio dos bens patrimoniais eclesiásticos; depois, nas suas forças interiores, na sua vida religiosa, no seu dogma, na sua moral e no seu culto, por uma infiltração sorrateira e constante de novas ideias que venham a transformar o Catolicismo numa espécie de religião esotérica e panteísta. Os próprios maçons distinguem dois períodos bem distintos na consecução de seu louco intento de destruir a Esposa de Cristo: o de "combatividade" ou de batalha, e o "uniteismo" e de concórdia.
Ora, não parece que a primeira etapa já foi percorrida ou pelo menos está para terminar? Esta, aliás, é a convicção da Seita e dos seus adeptos mais altamente graduados, que não fazem disso mistério nem sentem pejo de declará-lo publicamente, em ocasiões solenes. Tão convictos e certos estão, que empreenderam, no começo deste século, uma espécie de reforma, diríamos melhor, reorganização da Maçonaria, com que pudessem iniciar a nova fase da guerra contra a Igreja de Jesus Cristo. E, de fato, tal reorganização se tornara necessária. No passado tinha a Maçonaria lutado tenazmente para quebrar toda resistência católica exterior e reduzir o Catolicismo às sacristias. Dividira e separara os homens no campo político em mil partidos e, no campo religioso, em infinitos credos e seitas; tinha feito correr o sangue em borbotões pelas continuas revoluções tramadas nas suas Lojas. Se tudo isto concorrera, de um lado, para alcançar a meta visada pela Ordem, de outro lado é certo que atraiu sobre ela o descrédito geral por parte das pessoas capazes de refletir e de observar os fatos. Com a reforma, real ou aparente, tentaria a Maçonaria lavar-se dos crimes cometidos e fazer cessar as hostilidades e desconfianças alimentadas contra ela; sobretudo, poderia, acabar de realizar sua obra de destruição e de morte, infiltrando-se ardilosamente na própria Igreja afim de arruiná-la por dentro naquilo que ele possui de mais vital, o seu dogma, a sua moral, o seu culto e a sua disciplina.
A MAÇONARIA SE REORGANIZA NO CONGRESSO ESPIRITUALISTA
Mas, a obra que havia de empreender a Sinagoga satânica deveria caracterizar-se por tal astúcia que o próprio convenio reunido para essa reforma constituísse já por si o primeiro impulso para a realização do programa de ataque interno à Igreja. Isto foi levado a bom termo no Congresso Espiritualista de 1908, promovido em Paris pelas Lojas Martinistas. Sua finalidade seria, sob pretexto de renascimento espiritualista e reação contra o materialismo, federar todas as seitas ocultistas Gnósticos, Teósofos, Kabalistas e Espíritas, "apresentando aos intelectuais e aos crentes sua ciência esotérica como o verdadeiro cristianismo renovado, sob o nome de idealismo cristão"; e ao mesmo tempo, restabelecer a Maçonaria no seu verdadeiro caráter de religião esotérica e centro de união do ocultismo universal, "traço de união invisível das religiões do mundo", "traço de união esotérico entre todos os partidos políticos e todas as seitas religiosas" (1). Sob os dois aspectos, porém, é a ruína da obra de Deus, o aniquilamento da Esposa de Jesus Cristo que se tramava.
Para nos convencermos disto, basta ler o que se escrevera, dois meses antes, em março de 1908, na revista maçônica "Acacia", em preparação ao Congresso Espiritualista. O artigo é assinado por um personagem desconhecido, sob o pseudônimo de Hiram, que naturalmente deveria escrever com conhecimento de causa num órgão oficial e em ocasião tão solene. Eis em resumo o programa do Congresso, proposto por aquela revista. A missão política da Maçonaria está para terminar. A necessidade de destruir a influência católica exterior levou-a a lamentáveis consequências, entre outras, o "enfraquecimento dos graus superiores da Ordem", a "politicização" da Seita, a "decadência do ritualismo" e o "esquecimento cada vez maior do simbolismo" (2), o "fideísmo" que levou seus membros a enclausurar-se em dogmas políticos, religiosos ou anti-religiosos. Depois de longa dissertação sobre resultados tão "lamentáveis", continua textualmente o artigo: "Vai-se, pois, perguntarão os Irmãos a quem domina o nobre ardor da combatividade, vai-se renunciar à luta contra a Igreja? — Absolutamente, não, mas continuá-la-emos ainda melhor, mudando-lhe as modalidades". E explica: "Em lugar da luta por via de legislação supressiva dos privilégios... será necessária a luta pela propaganda" (Cf. Barbier, op. cit. pag. 156). Realmente, a Igreja de Cristo ainda vive, apesar da apostasia das nações, de ter sido despojada dos seus bens, de não mais poder exercer sobre os governantes a sua ação civilizadora de não mais presidir à feitura das leis com que se regem os povos. O que é que a sustenta e mantém? É um complexo de verdades intangíveis, é um código de moral, o exercício de um culto, a pratica dos Sacramentos, tudo isto intimamente ligado à obediência estrita a uma Hierarquia divina e sobrenatural. É preciso, portanto, dar-lhe o golpe de morte, assaltando-a por dentro, não já com medidas legislativas que jamais conseguem eliminar a fé e a moral, mas "pela palavra e pela propaganda opondo-se à palavra e à propaganda" (ibid.). Programa tão satanicamente maquinado não era para inflamar os corações cheios de ódio contra a Santa Igreja?
O plano, apenas delineado na revista "Acacia" a guisa de preparação dos espíritos, foi depois amplamente desenvolvido e esclarecido pelo Congresso. Infelizmente não chegou ao conhecimento do público profano o melhor desses esclarecimentos. Escusa-se o "compterendu" do Congresso de não poder tudo referir, com esta frase significativa: "Se tudo pode ser dito quando o Templo está fechado, não pode tudo ser levado para fora" (op. cit., pag. 159). Entretanto, as migalhas que nos proporciona são suficientes para formarmos uma ideia nítida do todo. No "Convenio maçônico dos ritos ritualistas" que constituiu a segunda parte do Congresso, Téder, o grande orador oficial, lembrava aos presentes e ausentes: "Pelos seus estatutos e tradições mais antigas, a Maçonaria Universal, de essência espiritualista, se impõe, por espírito de tolerância (sic), o dever de afastar do seu seio as divisões políticas e religiosas e de se opor à supremacia de qualquer culto sobre os outros, porque ela vê a Unidade através da Diversidade e porque é uma associação filantrópica e filosófica de pessoas pertencentes a todos os partidos políticos, a todas as religiões, a todas as raças, de que ela é o traço de união" (op. cit., pag. 158 s.).
Já percebemos por tais começos o resto do programa da nova fase histórica da Seita. Os novos apóstolos têm o grave encargo de unir o que está, ou pelo menos parece estar, separado. A missão das Lojas é de medianeiras e educadoras. Tudo isto não sugere ao nosso espírito a ideia da Republica Universal e da Religião da Humanidade? Mas vejamos mais claro com respeito à religião, que é o que nos interessa no momento.
Depois de exórdio tão sugestivo, continua o orador a mostrar as relações existentes entre as seitas ocultas e a Maçonaria, para em seguida revelar-nos: "Há na Maçonaria, como na religião, um exoterismo e um esoterismo, a cujo estudo se deve aplicar cada um de nós, se quiser chegar à descoberta da verdade espalhada na diversidade dos cultos, das escolas, das classes, dos graus, verdade que vem a ser Uma para aquele que, depois de ultrapassar as exterioridades, se tornou capaz de abraçar com um só olhar tudo que se refere ao governo no mundo" (op. cit. pag. 159). A Maçonaria possui, destarte, a chave do significado profundo e recôndito de todos os cultos, na aparência diversos entre si e unidos entretanto neste centro esotérico universal ao qual devem filiar-se todos os amigos da Verdade. Não parece que estamos a ouvir de novo os silvos da antiga Serpente: "Eritis sicut dii"?
E para que ninguém ouse pensar que o orador se refere tão somente às seitas ocultas, e exclui o cristianismo, ouçamo-lo em seguimento: "A Bíblia, chave de todas as verdades, o jogo dos números, as religiões, o magnetismo, a tomaturgia, a psicologia, a astrologia, a kabala, a magia, o hermetismo são coisas que podem ser estudadas e meditadas profundamente e com paciência. O conhecimento dessas coisas conduz à ciência da Grande Obra" (op. cit., pag. 159). E no mesmo Congresso, o Secretario Geral saudava os representantes dos diversos cultos nestes termos: "Eu vos posso certificar que estamos verdadeiramente comovidos pela vossa larga participação nesta grande manifestação do mais puro idealismo cristão" (op. cit., pag. 44). Por sua vez, o representante da "Revue Spirite", Paulo Duvis, acentuava: "O Evangelho de Cristo, em toda sua integridade, é o nosso evangelho e nosso código. Não viemos nada destruir; ao contrario, viemos tentar tudo consolidar, esforçando-nos por explicar e levar a efeito as verdades pregadas pelos messias e profetas, a até mesmo desenvolve-las e reafirmá-las com a ajuda da ciência" (op. cit., pag. 44).
EM QUE CONSISTE PROPRIAMENTE A NOVA TATICA
Não se engana, pois, o ilustre escritor francês Emmanuel Barbier, quando assim resume a tática maçônica velada por tão belas palavras: "Trata-se de fortalecer seu espírito (da Maçonaria), Reconduzi-la ao seu verdadeiro fim, que é opor às doutrinas do Catolicismo as que estão disfarçadas sob seus símbolos e ritos, destruir aquelas por meio destas e erguer a sinagoga de Satanás sobre as ruínas da Igreja de Cristo. E a suprema habilidade consistirá em proceder a tal restauração adaptando uma à outra com tal ardil que os filhos de Deus, se ouvirem as sugestões do orgulho, possam equivocar-se" (op. cit., pag. 41). O que pretendem é construir em lugar do Catolicismo uma religião que seja como que o amalgama de todas as religiões. Querem "a absorção do Catolicismo numa religião puramente humanitária, onde nem o próprio Deus, antes de tudo, nem Cristo, nem a Igreja poderiam encontrar lugar"; uma síntese gnóstica, kabalista, esotérica e panteísta, cujos segredos mais íntimos estejam em mãos de poucos, dos quais, como de novos pontífices, a humanidade dependeria não só no campo social e político, como também no campo religioso.
"Qual é a futura religião da humanidade, pergunta o teósofo Blech. Ela difere de todas as que a precederam; não é mais uma fé exclusivista e separatista, mas o reconhecimento de que as mesmas verdades se encontram, em todas as religiões, que não existe senão uma só religião verdadeira, a Divina Sabedoria, e que cada religião tomada à parte não é verdadeira senão na medida em que incorpora os principais ensinamentos desta Divina Sabedoria" (op. cit., pag. 126).
E para que não pensássemos que o esforço da Maçonaria para implantar no mundo a "religião da humanidade" data do Congresso Espiritualista, o Secretario geral do mesmo Congresso advertia: "Eis que há mais de vinte anos que os Chefes do Hermetismo (seita maçônica das mais perigosas) contemporâneo não cessam de espalhar a boa palavra, afim de iluminar os corações e esclarecer os cérebros obnubilados pelas trevas da ignorância ou do obscurantismo. Varias associações mais ou menos fechadas aos profanos, e centros de estudos psíquicos foram criados não somente na Europa, como também na África, na América, na Ásia e até na Oceania" (op. cit., pag. 45). Conhecemos perfeitamente as associações aí referidas: o Espiritismo, importado para a Europa por Allan Kardec em 1855; o Teosofismo, fundado em Nova York e transportado para a Europa pelo ano de 1874, o qual incentivou os estudos do Budismo e do Brahmanismo; a seita dos Gnósticos, restaurada em França no ano de 1888; o Martinismo, reconstituído em 1889, que criou ao mesmo tempo o "Centro dos estudos esotéricos". São todas estas sociedades ocultistas que se encontram de mãos dadas no Congresso Espiritualista de 1903 e que juntas trabalham no movimento criado pelo mesmo Congresso, a "Aliança Espiritualista".
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Estas breves indicações servem para mostrar a nova tática da Seita maçônica que, depois de sua ação política e da propaganda do liberalismo, do laicismo e do naturalismo com que preparou os espíritos sob os ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade, vê que o campo já se encontra agora bem aparelhado para receber um novo influxo, que levaria a humanidade ao panteísmo emanatista com toda a sua prática de superstições e de magia. A hora é grave entre todas. O plano, dos mais dignos do príncipe das trevas. Já não se trata de fazer penetrar os católicos nas Lojas Maçônicas, senão de fazer penetrar no Catolicismo as ideias da Ordem, invadindo-lhe todos os campos, do dogma, da moral, do culto e dando-lhe outra significação, ocultista, esotérica e panteísta.
Compreendemos agora as razões da infiltração do Espiritismo e do ocultismo entre nós e em todas as nações. Avisamo-nos suficientemente dos perigos por que passam a Fé católica e a Igreja com esta mudança de tática e de método da Seita secreta? Perigos tanto maiores quanto "certos católicos não vêm aí senão um retorno possível às suas crenças e parecem facilitar com toda sua transcendente ingenuidade o sucesso da nova estratégia" (Dicc. d'Apolog., d'Alés, tom. I, col. 126). Não se encontraram no Congresso Espiritualista de 1908, ao lado das varias seitas ocultistas e das obediências maçônicas, católicos, como os do Sillon (antes da condenação desse movimento), os filhos da luz a mendigar luzes no reino das trevas?
(1) Téder, o grande orador do Congresso. Cf. Barbier, Les Infiltrations Maçonniques dans l'Église, Lille, 1910, pag. 160.
(2) "No estado atual da Maçonaria francesa, lamentava J. Doinel, dois por cento apenas dos Mestres conhecem o significado diabólico do seu grau" (op. cit., pag. 152).
NOTA INTERNACIONAL
A batalha interna do P. R. americano
Adolpho Lindenberg
Uma das provas de que o resultado das eleições norte-americanas é altamente auspicioso para quantos ainda se opõem à socialização progressiva do mundo e à política de "panos quentes" com os comunistas, reside no fato de que os esquerdistas de todos os países, inclusive e sobretudo do Brasil, estão desapontadíssimos, julgando que os Estados Unidos "regrediram pelo menos trinta anos". A grande vitoria das correntes conservadoras norte-americanas consiste não somente na espetacular votação obtida pelo seu candidato à presidente, mas também em terem os republicanos conseguido maioria no Senado e na Câmara dos Representantes e, principalmente, na substituição de Truman, na direção do Partido Democrático, por Adiai Stevenson, o qual, se bem que democrata, não pertence ao Fair Deal nem participou do grupo esquerdista de Roosevelt.
É, no entanto, importante notar que uma mudança muito radical na orientação da política interna e externa dos Estados Unidos não é de se esperar, dado o critério que presidiu a escolha dos membros do gabinete do General Eisenhower. Estes de modo geral, não se alinham entre os elementos mais pronunciadamente conservadores do Partido Republicano, dentro da linha ideológica anti-socialista de que o Senador Taft parece ser um dos lideres mais em evidencia. Ademais, vários dos principais colaboradores da campanha eleitoral republicana têm uma tendência que aos olhos de muitos poderia passar por suspeita de rooseveltiana. Assim, Henry Cabot Lodge, considerado o pai da candidatura Eisenhower, e chefe da ala renovadora do Partido, oposta à ala tradicionalista de Taft; Harold Stassen, que não faz muito defendia uma aproximação com a Rússia; Thomas Dewey, o maior inimigo de Taft e principal apoio de Eisenhower na Convenção que o elegeu candidato republicano.
Aliás, é preciso não esquecer que o próprio Eisenhower foi o braço direito de Roosevelt durante a última guerra e, de um modo geral, em toda a sua carreira foi um instrumento do plano político dos homens do New Deal e do Fair Deal. Acresce que os elementos tradicionalistas e da direita europeus têm muitas razões para se queixarem do antigo comandante em chefe dos exércitos de invasão. Realmente, foi Eisenhower quem ordenou que as tropas dos aliados ocidentais não marchassem sobre Berlim e que o General Patton suspendesse a invasão da Saxonia, o que propiciou a ocupação daquelas regiões pelos russos; foi ele quem proibiu que o Partido Monarquista Bávaro, tradicional inimigo do nazismo, voltasse a se organizar; quem nomeou numerosos judeus e maçons para altos postos de governo no território alemão ocupado, quando poderia ter nomeado lideres dos movimentos monarquistas ou antigos militantes do Centrum Partei, muitíssimo mais contrários ao nazismo do que qualquer americano, francês ou russo. É possível que todas estas medidas, tão típicas da política seguida pelo Departamento de Estado Americano, tenham sido impostas a Eisenhower por autoridades superiores, mas enquanto isso não for provado fica de pé uma dúvida a seu respeito.
É indiscutível que a vitoria dos republicanos significou um repudio, por parte dos norte-americanos, da orientação esquerdista e indulgente, para com a Rússia, do atual Departamento de Estado, e, por isso mesmo, foi vantajosa para a Igreja. Resta agora saber se Eisenhower manterá em toda a linha a política prenunciada pelos seus primeiros atos; se dentro do seu próprio Partido dominarão os elementos tradicionais e conservadores, ou se pelo contrario, os renovadores, com DeWey e Lodge à frente, tomarão as rédeas do poder para fazer um governo não muito diferente dos de Roosevelt e de Truman.
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Só a arte sacra pode ser cristã?
Plinio Corrêa de Oliveira
PELAS altas janelas, guarnecidas de vitrais, entra uma luz abundante mas suave, que se reflete no soalho, no metal polido das armaduras e das panóplias, no bronze e no cristal dos imensos candelabros, e parece atingir a custo as nervuras e pinturas do teto. As colunas, fortes e delicadas, se abrem ao alto como imensas palmeiras que protegessem a sala com sua ramagem de pedra, de linhas coerentes, nítidas e suaves. A sala é fortemente impregnada de um ambiente peculiar, que convida a um repouso sem ócio nem dissipação, um repouso todo feito de recolhimento, gravidade, equilíbrio e força. As armaduras, os veados empalhados, enriquecem este ambiente com o eco das proezas praticadas na caça e na guerra. O lambris de madeira trabalhada quebra com sua delicadeza e aconchego o que a austeridade da pedra talvez tivesse de excessivo. Ao fundo, sobre uma peanha, a imagem de um Santo atrai o pensamento para o Céu.
SEM dúvida esta sala espelha uma mentalidade, que poderá agradar a uns, desagradar quiçá a outros, mas que de um modo ou de outro soube dispor admiravelmente das cores e das formas para se exprimir. É uma sala de uso civil quotidiano. Apresenta o ambiente em que o espírito de nossos maiores se sentia à vontade para viver a vida corrente.
A Sainte Chapelle de Paris, construída no séc. XIII por S. Luis IX, Rei de França, para conter alguns espinhos da coroa de Nosso Senhor Jesus Cristo, exprime a mesma mentalidade, não enquanto entregue à vida diária, mas enquanto voltada para a prece. A nota de delicadeza atinge ao sublime. Nem por isto a força, o equilíbrio, a gravidade, o recolhimento perdem algo da sua plenitude. Eclesiásticos, artistas, peregrinos de todos os séculos têm visto na Sainte Chapelle, no ambiente que nela palpita, na mentalidade expressa em suas linhas, suas cores, suas formas, sua configuração geral, a expressão arquetípica da alma cristã.
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CRISTÃ é a sala como cristã é a capela. E isto não só pelo efeito das imagens e símbolos religiosos que ali se encontram, como pelo ambiente que ali se respira, pela mentalidade que fica subjacente a este ambiente.
De onde se chega a uma noção mais ampla. Uma obra de arte não é cristã pelo simples fato de estar coberta de símbolos de nossa santa Religião, como um homem não se faz frade pelo simples fato de vestir burel.
É preciso que seja católica a alma que na obra de arte palpita, para que esta se possa dizer genuinamente cristã. E o ambiente cristão não é susceptível de impregnar apenas um edifício destinado ao culto, mas qualquer local que tenha em sua configuração a marca inconfundível com que a alma cristã exprime tudo quanto faz.