A questão do seguro social, e mais especialmente sua posição perante a ação invasora do Estado totalitário moderno, tem sido objeto de largos estudos nos ambientes católicos especializados. Recente carta do Exmo. Revmo. Mons. J. B. Montini, Substituto da Secretaria de Estado de Sua Santidade, dirigida ao Presidente das Semanas Sociais do Canadá por ocasião da assembleia realizada de 25 a 28 de setembro p. p., projeta luz sobre vários aspectos do delicado assunto. Publicamo-la na integra, com notas desta Redação.
"O tema a ser abordado este ano pela Semana Social de São João de Quebec sob o alto patrocínio do Exmo. Monsenhor Forget e de seu Coadjutor, S. Excia. Mons. Coderre, é de grande atualidade, mas também de caráter particularmente delicado. Em um mundo ainda totalmente alterado por duas guerras exterminadoras, no qual tanto os espíritos como as instituições estão longe de haver encontrado seu equilíbrio, o seguro social, cujos diversos aspectos intentais estudar à luz dos ensinamentos pontifícios, se apresenta, com efeito, como uma iniciativa que, pela inspiração generosa que a ditou, jamais se poderia louvar suficientemente, segundo o mesmo Santo Padre reconheceu em sua exortação "Menti nostrae", mas cuja aplicação exige uma prudência particular.
Por certo, a virtude da justiça não pode satisfazer-se estritamente, sobretudo nas condições econômicas atuais, com os dois meios, aliás insubstituíveis (1), que são o trabalho e a poupança, pelos quais o homem deve assegurar sua subsistência e seu futuro. Deu-se-lhes um complemento (2) equitativo no que de comum acordo chamou-se o seguro social, no qual o trabalhador e sua família encontram uma segurança legítima contra os riscos e os perigos que com frequência os ameaçam sob o nome de doenças, de desemprego ou de velhice e ante os quais os recursos normais resultam em geral deficientes. Mas quem não vê, de outro lado, os perigos (3) de ordem doutrinaria e prática que acarretaria uma aplicação precipitada e mal entendida, de uma organização tão desejável?
O Santo Padre já alertou mais de uma vez o mundo do trabalho contra as deturpações de iniciativas excelentes em princípio, mas que devem situar-se em seu devido lugar, no conjunto de um problema, sob pena de lesarem outros interesses respeitáveis e de não conseguirem o objetivo que lhes competia para o bem comum. Ele o fez, entre outras ocasiões, em seu importante discurso de 2 de novembro de 1950 à Hierarquia católica, mostrando como um seguro social que fosse monopólio do Estado seria prejudicial às famílias e às profissões em favor e por meio das quais deve antes de tudo exercer-se (4).
Além disso, uma organização de tal importância necessita, para atingir toda a sua eficiência, uma preparação e uma educação dos espíritos (5), campo no qual precisamente os católicos sociais podem e devem desempenhar um papel decisivo (6), afim de que sejam harmonizados os diversos fatores que nele intervêm, inclusive o da beneficência e o da caridade (7) espiritual (8) e corporal, da qual, se acreditamos no Evangelho, os discípulos de Cristo serão sempre fieis e insubstituíveis dispensadores. Fica suficientemente indicado o vasto campo que se abre a vossas investigações. A doutrina social da Igreja revelar-se-á também nele como soberanamente salvadora. Sabereis interpretá-la com toda a atenção, todo o tato e todo o zelo que tão grave assunto requer.
Para atrair sobre vossos trabalhos as luzes e as energias sobrenaturais, o Santo Padre, atendendo a vosso filial convite, compraz-se em enviar-vos, assim como a vossos colaboradores e ouvintes da Semana Social de São João de Quebec, o insigne favor da Benção apostólica".
NOTAS DA REDAÇÃO
(1) — Estas palavras deixam bem claro que a doutrina da Igreja não é compatível com um sistema de seguros que proporcionasse exatamente o ganho do trabalhador às necessidades de cada dia, deixando pesar sobre os seguros todos os gastos extraordinários, e abolindo por inútil qualquer excesso de ganho que permita a formação de pecúlios particulares. O trabalho e a economia — ou seja, a pequena propriedade privada do trabalhador — são "insubstituíveis".
(2) — O seguro social não é senão mero complemento do trabalho e do pecúlio particular. Estes são, pois, o principal na economia do trabalhador; e o seguro é secundário.
(3) — Importante aviso para que os católicos não se deixem arrastar pelo socialismo, que sob pretexto de seguros, deseja na realidade abolir a economia privada.
(4) — A posição da Igreja na questão social não consiste em tomar partido por uma classe social contra outra. Tem-se dito com razão que a Igreja não é uma força a serviço da ganância dos patrões contra os operários; é tempo de dizer com energia não menor que a Igreja não é uma força a serviço da ganância dos operários contra os patrões. Ela quer a existência de ambas as classes, e um regime de justiça e caridade nas suas mutuas relações. É em nome deste principio de imparcialidade que a Igreja condena o socialismo, nocivo não só aos direitos legítimos dos patrões como dos próprios operários.
(5) Este fator costuma ser negligenciado pelos demagogos. É o que explica pelo menos em parte que as leis por eles promulgadas, excelentes uma ou outra vez na aparência, só produzam decepções e desequilíbrios sociais. É o caso, entre outros, dos aumentos de salário em beneficio de pessoas por vezes mal preparadas para a largueza, que por isto caem no ócio e no esbanjamento.
(6) A ação dos católicos deve tomar este ponto como preocupação capital.
(7) Importantíssimo ensinamento. O seguro não existe para abolir a caridade. Sem esta, segundo o ensinamento de todos os Papas, a questão social praticamente nunca será resolvida.
(8) Antes da caridade corporal a carta menciona a caridade espiritual, isto é, arrancar as almas ao pecado é ainda mais importante do que arrancá-las à miséria.
Legenda:
Excomunhão de Roberto o Piedoso, Rei de França, - por J. B. Laurens
QUANDO lhe cumpre proferir um anátema, e isto é, uma excomunhão solene por culpas mais graves, o Bispo deve estar paramentado com o amito, a estola, o pluvial violeta e a mitra simples. Será assistido por doze Presbíteros com sobrepeliz; tanto ele como os Presbíteros terão na mão velas acesas. Sentando-se no faldistório colocado diante do altar-mor, ou em outro lugar público que prefira, o Bispo declara e pronuncia o anátema do seguinte modo:
“N., levado pelo demônio, tendo abandonado pela apostasia a promessa cristã que fizera no Batismo, não temeu devastar a Igreja de Deus, roubar os bens eclesiásticos e oprimir violentamente os pobres de Cristo. Inquietamo-Nos com isso, e não quisemos que ele viesse a perecer por negligência pastoral Nossa. No tremendo juízo, com efeito, seremos forçado a prestar contas ao Príncipe dos Pastores, Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo a terrível ameaça que nos dirige o próprio Senhor, quando diz: "Se não anunciares ao iníquo a sua iniqüidade, exigirei o seu sangue de tuas mãos". Advertímo-lo, pois, canonicamente uma primeira, uma segunda, uma terceira e ainda uma quarta vez, afim de vencer sua malícia, convidando-o à emenda, à reparação e à penitência, e repreendendo-o com afeto paternal. Mas ele — oh dor! —, desprezando as admoestações salutares da Igreja de Deus, à qual ofendeu, e tomado pelo espírito de soberba, não quis apresentar reparação alguma.
Os preceitos do Senhor e dos Apóstolos indicam-nos perfeitamente o que devemos fazer de tais prevaricadores. Pois o Senhor diz: "Se tua mão ou teu pé te escandaliza, corta-o e lança-o longe de ti". E o Apóstolo aconselha: "Afastai o mal de vós"; e ainda: "Se aquele que é chamado irmão é fornicador, ou avaro, ou serve aos ídolos, ou é maledicente, ou ébrio, ou ladrão, com ele nem tomeis alimento". E João, o discípulo predileto de Cristo, proíbe que se saúde um tal ímpio, dizendo: "Não o recebais em casa, nem lhe digais AVE. Pois quem lhe diz AVE participa de suas obras malignas". Cumprindo, portanto, os preceitos do Senhor e dos Apóstolos, arranquemos do corpo da Igreja, com o ferro da excomunhão, a este membro pútrido e incurável que não quer receber o remédio: afim de que os demais membros do corpo não sejam envenenados por tão pestífera doença. Ele desprezou Nossas admoestações e Nossas repetidas exortações; tendo sido por três vezes advertido, segundo o preceito do Senhor, não quis vir à emenda e à penitência; não refletiu sobre sua culpa, nem a confessou; não pretendeu apresentar qualquer escusa por terceira pessoa; nem pediu perdão. Mas, com o coração empedernido pelo demônio, persevera ainda na mesma malícia anterior, conforme o que diz o Apóstolo: "O coração impenitente, obedecendo à sua cegueira, acumula contra si a ira para o dia da ira".
Considerando tudo isso, e pelo juízo de Deus onipotente, Padre, Filho e Espírito Santo, de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, e de todos os Santos, e também pela autoridade da Nossa mediocridade e pelo poder de ligar e desligar no céu e na terra que Nos foi divinamente confiado, Nós o excluímos, juntamente com todos os seus cúmplices e fautores, da recepção do precioso Corpo e Sangue do Senhor, e da sociedade de todos os cristãos; afastamo-lo do limiar da Santa Madre Igreja no céu e na terra, e declaramo-lo excomungado e anatematizado, bem como o julgamos condenado ao fogo eterno, com o demônio, seus anjos e todos os réprobos. Assim até que se liberte dos laços diabólicos, venha à emenda e à penitência, e apresente reparação à Igreja de Deus, à qual ofendeu, Nós o entregamos a Satanás para a perdição da carne, afim de que o seu espírito se salve no dia do juízo.
Todos respondem:
Assim seja. Assim seja. Assim seja.
Isto feito, o Bispo e os Sacerdotes devem lançar por terra as velas acesas que tinham nas mãos. Em seguida, envie-se uma carta a todos os Presbíteros, nas diversas Paróquias, e também aos Bispos vizinhos, contendo o nome do excomungado e a causa da excomunhão. Essa carta destina-se a evitar que, por ignorância, alguém ainda se comunique com ele, e assim afastar de todos a ocasião de excomunhão".