A propósito de uma Pastoral do Bispo de Chartres

Ainda o modernismo social

Cunha Alvarenga

Comentávamos no número 20 de "Catolicismo" (agosto de 1952) as oportunas palavras de Mons. Harscouet, Bispo de Chartres, sobre o "Modernismo Social" e prometemos voltar ao assunto. É o que faremos hoje.

Os eternos acomodatícios

Que o modernismo dogmático ainda não está morto, vemo-lo, por exemplo, pela Encíclica "Humani Generis". Outro tanto podemos dizer do modernismo social. Dizíamos que os católicos néo-modernistas, em sua idéia fixa de tentar uma acomodação entre a doutrina social da Igreja e a doutrina emanada dos princípios de 1789 vão caindo logicamente no mesmo equívoco em relação ao socialismo e ao comunismo. Aliás são eles próprios os primeiros a reconhecer que não lhes basta a igualdade política (pregada pelo liberalismo), sendo imperioso completá-la pela igualdade econômica (pregada pelo socialismo). O igualitarismo socialista é mera complementação do igualitarismo liberal.

Não mais nos achamos na fase em que os católicos liberais procuravam justificativas teóricas para ajustar a doutrina da Igreja às idéias revolucionárias. O neo-modernista é o homem do fato consumado. O Estado leigo seria, assim, um fato consumado, constituindo um progresso sobre as formas políticas e sociais do passado, pela diferenciação da esfera própria dos dois poderes, temporal e espiritual. "Falava-se outrora do temporal sujeito ao espiritual; de questões mistas, em que a Igreja intervinha qual senhora e rainha, porque então se tinha a Igreja como instituída imediatamente por Deus, enquanto autor da ordem sobrenatural. Mas estas crenças já não são admitidas pela filosofia, nem pela história. Deve, portanto, a Igreja separar-se do Estado, e assim também o católico do cidadão" (exposição dos erros do "Modernista reformador" na Encíclica "Pascendi"). Querer, sob qualquer pretexto, “impor ao cidadão uma norma de proceder, é por parte do poder eclesiástico verdadeiro abuso, que se deve repelir com toda a energia" (doc. citado).

Uma Igreja nas nuvens

Mesmo porque sustentam os neo-modernistas que o Reino de Cristo tem por domínio o fundo das almas, sua natureza seria puramente espiritual. Pelo que "deve mudar a atitude da autoridade eclesiástica nas questões políticas e sociais, de tal sorte que não se intrometa nas disposições civis, mas procure amoldar-se a elas, para penetrá-las do seu espírito" (doc. citado).

Já vimos como Pio XI reprovava, pela Encíclica "Ubi Arcano Dei", o "modernismo moral, jurídico e social", que deve ser repelido com a mesma energia com que Pio X ferreteava o modernismo dogmático. Não foi por outra razão que o Pontífice da Ação Católica em outro documento solene, a Encíclica "Quas Primas", se deteve aprofundadamente sobre a natureza da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo, mostrando como consta do tríplice poder legislativo, judiciário e executivo, sendo seu domínio principalmente espiritual e referente às coisas espirituais. Mas tal domínio se entende ao campo temporal, bem como sobre os indivíduos e sobre a sociedade, pela simples razão que não são somente as almas que pertencem a Deus, como queriam os maniqueus, nem se admite uma Igreja pairando nas nuvens, isolada da sociedade humana em seu aspecto temporal. Eis porque acrescenta Pio XI que "erraria gravemente quem arrebatasse a Cristo-Homem o poder sobre todas as coisas temporais, visto que Ele recebeu do Pai um direito absoluto sobre todas as coisas criadas, de modo que tudo se submete a seu arbítrio", embora permita aos possuidores dos bens deste mundo que deles se utilizem.

Igualitarismo neo-modernista

Podemos multiplicar os exemplos da persistência desses erros modernistas no setor social, apesar de já reiteradamente condenados pela Igreja. Entre eles sobressai a tendência ao igualitarismo. Mostrava Pio X como Leão XIII ensinara, de um modo especial, "que a democracia cristã deve manter a diversidade das classes, que é seguramente o próprio da cidade bem constituída, e querer para a sociedade humana a forma e o caráter que Deus, seu autor, lhe imprimiu. Fulminou ele (Leão XIII) uma certa democracia que vai até aquele grau de perversidade de atribuir, na sociedade, a soberania ao povo e de pretender a supressão e o nivelamento das classes" (Carta Apostólica de Pio X "Notre Charge Apostolique").

Ora, que vemos em nossos dias? O maritainista português J. Silva Dias, cuja obra o Sr. Alceu de Amoroso Lima acolhe com frenéticos aplausos, fazendo-lhe pela imprensa os mais rasgados elogios, declara sem rebuços: "Para falar claro, é uma sociedade sem classes que nós queremos construir, na qual a empresa será propriedade do trabalho, em que a autoridade será designada não segundo a herança, mas segundo as competências" (J. Silva Dias em artigo intitulado "Para uma sociedade sem classes", publicado na "Tribuna da Imprensa" de 7 de junho de 1950).

Os modernistas foram sempre pseudo-campeões da dignidade humana. Trabalhando pela escravização totalitária da sociedade, mostram "uma concepção especial a respeito da dignidade humana, da liberdade, da justiça e da fraternidade, e, para justificar seus sonhos sociais, apelam para o Evangelho, interpretado à sua maneira — o que é mais grave, para um Cristo desfigurado e diminuído" (Pio X, doc. citado).

Onde se acha a verdadeira dignidade humana

É em nome dessa pseudo-dignidade da pessoa humana que os neo-modernistas vêm se batendo por uma reforma radical da estrutura social e econômica, mediante a "passagem do capital privado para o serviço do trabalho", ou seja, a "co-propriedade operária dos meios de produção", a "participação efetiva dos trabalhadores nos lucros e na direção das empresas econômicas". Embora nem sempre seja devidamente explicitado como se fará essa passagem, todo o teor da campanha do modernismo social nesse sentido indica que o meio apto serão as socializações. É o que se pode entrever, por exemplo, na atitude de certa ala do sindicalismo católico francês. Em manifesto assinado a 15 de novembro de 1940 em conjunto com os líderes do sindicalismo socialista, que são os homens da CGT, levanta a questão da "democracia industrial", afirmando: "Ao regime capitalista deve suceder um regime de economia dirigida em benefício da coletividade". Ora, sob o eufemismo de "uma fórmula nova de exploração" das empresas, caminhavam então esses líderes dos sindicatos católicos lado a lado com os socialistas da CGT que reivindicam claramente a socialização integral da vida econômica.

Mais ainda. Se não fosse essa pertinácia de certa corrente católica em pugnar pela "democracia econômica" ou por uma co-gestão do trabalho nas empresas, imposta coercitivamente, tomando a co-gestão e a participação nos lucros como um direito natural do trabalhador, não se compreenderia o modo insistente e cada vez mais veemente com que o Santo Padre Pio XII vem mostrando como é errôneo apelar para tal "direito" e como essa medida, imposta por meios coercitivos, virá subverter as bases de uma sã ordenação econômica e social.

E porque nega a Igreja esse “direito” de co-propriedade do trabalhador no capital e, consequentemente, seu "direito" de participar das determinações econômicas da empresa? Nega a Igreja tal "direito" em nome da verdadeira dignidade da pessoa humana, por corresponder, se concedido, à derrogação de outro direito, este sim, autêntico, "o direito do indivíduo e da família à propriedade", que é "consequência direta da essência da pessoa, um direito da dignidade humana, um direito carregado de deveres sociais, mas que não é uma função social exclusivamente" (Radiomensagem do Santo Padre Pio XII aos católicos austríacos, de 14 de setembro de 1952) (1).

O modernismo social e a subversão socialista

A participação nos lucros e a co-gestão não seriam, portanto, para o modernismo social, um meio de suavizar o contrato de trabalho, em ajuste espontaneamente realizado entre patrão e operário, afastada, portanto, a luta de classes, como quer a Igreja. Tratar-se-ia de uma luta tão aguda, que visaria a eliminação de um dos termos em questão, o patrão ou capitalista. Eis porque o maritainista sr. Luis Santa Cruz, também tão elogiado pelo sr. Tristão de Ataíde, declara que "devia haver uma bem-aventurança para os que desacatam o patrão capitalista" ("Diário de Notícias", do Rio de Janeiro, de 21 de março de 1948). Tal reforma da estrutura da empresa, pela co-propriedade operaria dos meios de produção, seria o meio prático de se chegar à sociedade sem classes, a "um estado consecutivo à liquidação do regime capitalista".

Perdura, assim, a concepção descrita por Pio X: "O povo se acha sob tutela, debaixo de uma autoridade que lhe é distinta, e da qual se deve libertar: emancipação política. Está sob a dependência de patrões que, detendo seus instrumentos de trabalho, o exploram, o oprimem e o rebaixam; deve sacudir seu jugo: emancipação econômica. Enfim, ele é dominado por uma casta chamada dirigente, à qual o desenvolvimento intelectual assegura uma preponderância indevida na direção dos negócios; deve subtrair-se à sua dominação: emancipação intelectual. O nivelamento das condições, deste tríplice ponto de vista, estabelecerá entre os homens a igualdade, e esta igualdade é a verdadeira justiça humana" (Exposição dos erros do "Sillon" na Carta Apostólica "Notre Charge Apostolique").

Dir-se-á que essa mudança, preconizada pelo modernismo social, se procederá pela evolução da própria conjuntura social. Mas de vez em quando os corifeus do movimento põem as garras totalitárias de fora, ao manifestar simpatia e entusiasmo pelo programa de socializações da vida econômica levado a efeito por um Truman ou pelo seu modelo, o trabalhismo socialista das ilhas britânicas. Como também ao pugnar pelo regime de co-propriedade como um direito do trabalhador, a ser imposto, portanto, coercitivamente, por meio de leis e decretos. E como se a separação de classes, mesmo em um estado de coisas corporativo, onde haja aliança do capital e do trabalho, não fosse um dado natural da sociedade humana, como magistralmente o acentuou o Bem-aventurado Pio X.

Deformação da caridade

Nada para admirar, assim, que os neo-modernistas abertamente digam preferir trabalhar lado a lado com os comunistas, que com os católicos que procuram manter a pureza da doutrina social da Igreja. E pretendam agir desse modo em nome da caridade fraterna. Ora, diz Mons. Harscouet, "sob pretexto de amor um cristão não deve preferir os adversários de Cristo, os marxistas por exemplo, a seus irmãos cristãos, e se mostrar cheio de indulgencias em relação aos primeiros e cheio de sectarismo em relação aos segundos. Um cristão deve se inclinar sobre todas as misérias e deve tomar parte ativa na organização da sociedade, mas seguindo a escola da Igreja que ensina o verdadeiro amor e forna a consciência do povo, instruindo firmemente os grandes e pequenos quanto aos seus deveres bem como quanto aos seus direitos".

"A questão social, diz Pio X, estará bem próxima de ser resolvida quando uns e outros, menos exigentes sobre seus direitos mútuos, cumprirem mais exatamente seus deveres".

E conclui o Bispo de Chartres: "Eis como o Bem-aventurado já falava em agosto de 1910. Quem não descobrirá nessas palavras seu cuidado pastoral, seu amor da verdade, sua clareza de vista, pois que a quarenta anos de distância, o que escrevia como advertência ainda se aplica palavra por palavra à conduta de alguns dentre nós". O demônio, para agir sem ser molestado, costuma imitar a tática do besouro: finge estar morto, sobretudo quando pisado. E é o próprio Beato Pio X quem nos adverte de que faz parte da tática modernista negar a existência de quem professe erros modernistas. . .

(1) Publicada no último número de "Catolicismo".


Sacro Colégio dos Cardeais, mais alto senado da terra

A recente nomeação de vinte e quatro novos Cardeais, entre os quais figura S. Emcia. Revma. o Snr. D. Augusto Álvaro da Silva, ilustre Arcebispo da Baía e Primaz do Brasil, vem pôr em foco, de modo especial, a venerável e multissecular instituição do cardinalato.

Os Cardeais, príncipes da Igreja, são os mais altos colaboradores e conselheiros do Papa. Constituem o Senado da Igreja, sob a denominação de Sacro Colégio. Este não tem contudo poder deliberativo em oposição ao Papa, mas é meramente consultivo: suas decisões nunca poderiam prevalecer se por ventura estivessem em conflito com a vontade soberana do Sumo Pontífice.

A ORIGEM DO CARDINALATO

A origem dos Cardeais remonta aos primeiros tempos do Cristianismo, quando o Sumo Pontífice, como os demais Bispos, era assistido no governo de sua diocese pelos Presbíteros prepostos às paróquias que a constituíam. Estes, em número de vinte e cinco, ajudavam-no, e quando preciso o substituíam, no ministério litúrgico, na pregação, e na direção dos negócios pastorais. A eles se juntavam sete Diáconos, também encarregados de funções religiosas, mas sobretudo admitidos à administração dos bens temporais. No que diz respeito ao exercício de seu primado universal como Chefe da Igreja, o Papa era assistido pelos Bispos reunidos em Concílios.

Com o tempo, os Bispos das sete dioceses vizinhas da cidade de Roma — por isso chamadas suburbicarias — começaram, sem renunciar às suas sedes, a celebrar semanalmente funções litúrgicas na Catedral do Papa, a Basílica Lateranense; foram a ela "incardinados", isto é, adscritos. Da mesma forma os Presbíteros das vinte e cinco paróquias romanas foram encarregados do serviço litúrgico semanal nas Basílicas maiores de São Pedro, São Paulo, Santa Maria Maior e São Lourenço, sem deixar seu múnus paroquial; deles também se dizia terem sido incardinados às Basílicas. Quanto aos sete Diáconos, foram incardinados às sete circunscrições ou diaconias em que o Papa Fabiano, em meados do século III, havia dividido a cidade com vistas ao exercício da beneficência. Tanto estes como os Bispos "suburbicarios" e os Presbíteros das paróquias romanas foram sendo chamados "Cardinales", de "incardinati".

Quando, a partir do século XI, sob o impulso de São Gregório VII, os Papas empreenderam com grande energia a reforma eclesiástica em toda a Europa, os Cardeais foram se tornando coadjutores diretos do Sumo Pontífice no governo da Igreja Universal. Data dessa época a admissão de Prelados residentes fora de Roma, e de seis "Diáconos palatinos", ao cardinalato — assumindo então o Sacro Colégio o aspecto que conserva, em linhas gerais, até nossos dias.

A ORGANIZAÇÃO ATUAL DO SACRO COLÉGIO

Como conseqüência desta origem histórica, ainda hoje o Sacro Colégio, composto de setenta membros, é dividido em três classes, ou ordens:

— Cardeais da ordem dos Bispos, que são os Ordinários das seis dioceses suburbicarias: Albano, Frascati, Palestrina, Porto e Santa Rufina, Sabina e Poggio Mirteto, e Velletri. Ostia também é diocese suburbicaria, mas está sempre unida a uma das outras, na pessoa do Cardeal Decano.

— Cardeais da ordem dos Presbíteros, em número de cinqüenta, a que correspondem antigas paróquias ou títulos romanos.

— Cardeais da ordem dos Diáconos, titulares de quatorze antigas diaconias de Roma.

Não obstante os nomes das três ordens, atualmente todos os Cardeais são pelo menos Sacerdotes; todos os da primeira ordem, e em geral os da segunda, são Bispos; mas os da ordem diaconal não devem estar revestidos do caráter episcopal.

À testa do Sacro Colégio está o Cardeal Decano, primus inter pares, o mais antigo dos Cardeais da ordem dos Bispos. Cabe-lhe a honra de perguntar ao eleito pelo Conclave se aceita o sumo governo da Igreja; e no caso de não ser ele Padre ou Bispo, é o Decano quem o ordena e sagra. Ocupa essa dignidade atualmente S. Emcia. Revma. O Cardeal Eugenio Tisserant.

O mais antigo dos Cardeais Diáconos tem o privilégio de anunciar ao povo a eleição do novo Papa, e o de coroá-lo.

A nomeação dos Cardeais é feita exclusivamente pelo Sumo Pontífice, que publica os seus nomes em Consistório. Igualmente só o Papa tem o poder de destituí-los, o que tem sido raro nos últimos tempos.

Os Cardeais gozam de numerosos e insignes privilégios, sobretudo honoríficos e litúrgicos, entre os quais o direito de precedência sobre todos os outros dignitários eclesiásticos. Possuem amplas faculdades relativas à Confissão, à pregação da palavra de Deus, à celebração da Missa, à concessão de indulgencias, etc.

A PARTICIPAÇÃO DOS CARDEAIS NO GOVERNO DA IGREJA

De várias maneiras participam os Cardeais do governo da Igreja Universal.

Os residentes em Roma, "Cardeais de Cúria", exercem suas atividades, em geral, nas Sagradas Congregações, espécies de ministérios que, subordinados ao Papa, dirigem grandes setores da organização da Igreja: Congregação dos Ritos, da Propagação da Fé, para a Igreja Oriental, dos Seminários, dos Religiosos, do Santo Oficio, etc. (vide "Catolicismo" n. 8, de agosto de 1951).

Outros Cardeais de Cúrias fazem parte de órgãos do governo da Igreja distintos das Congregações: a Sagrada Penitenciaria, o Supremo Tribunal da Signatura Apostólica, a Chancelaria Apostólica, os Ofícios, as diversas Comissões Pontifícias, etc. O mais importante dos Ofícios da Cúria Romana é a Secretaria de Estado, dirigida, normalmente, pelo Cardeal Secretario do Estado, verdadeiro primeiro ministro do Papa, mas cujo cargo está vago há muitos anos.

Com a recente promoção elevou-se a vinte o número dos Cardeais de Cúria, dos quais dezenove são italianos e um — o Cardeal Tisserant — é francês.

Ao Sacro Colégio compete o governo da Igreja, e do Estado do Vaticano, durante a vacância da Santa Sé. E são exclusivamente os Cardeais, desde a reforma de São Gregório VII no século XI, que elegem o Sumo Pontífice, em reunião secreta denominada Conclave: o que constitui o mais insigne dos encargos que lhes são atribuídos.

AS SEDES CARDINALICIAS

A parte que os Cardeais desempenham no governo da Igreja Universal não impede que tenham atribuições de caráter local. Assim, os Cardeais da ordem dos Bispos são também Ordinários de suas dioceses; mas, como residem habitualmente em Roma, governam-nas por meio de um Bispo auxiliar ou sufragâneo. Um dos Cardeais Presbíteros é o Vigário Geral do Papa para a diocese de Roma.

Em sua maioria, os Cardeais da ordem dos Presbíteros ocupam dioceses ou arquidioceses espalhadas pelo mundo todo. A Itália tem, além dos Cardeais de Cúria, sete purpurados: Milão, Genova, Florença, Turim, Nápoles, Palermo e Bolonha; a França seis: Paris, Lion, Rennes, Lille, Toulouse e Le Mans; os Estados Unidos: Nova York, Los Angeles, Chicago e Detroit, e a Espanha: Toledo, Sevilha, Tarragona e Santiago de Compostela têm quatro. O Brasil, três: Rio, São Paulo e Salvador. Dois Cardeais têm a Argentina: Buenos Aires e Rosário, a Alemanha Colônia e Munich, e o Canadá Montreal e Toronto. Possuem, enfim, um Cardeal, a Hungria (Strigonia), Iugoslávia (Zagreb), Áustria (Viena), Bélgica (Malines), Holanda (Utrecht), Inglaterra (Londres), Irlanda (Armagh), Polônia (Gniezno), Austrália (Sydney), China (Pekim), Portugal (Lisboa), Moçambique (Lourenço Marques), Síria (Antioquia), Armênia (Cilicia), Peru (Lima), Chile (Santiago), Cuba (Havana), Equador (Quito), Colômbia (Bogotá), e Índia (Bombaim).

Com a nomeação de S. Emcia. Revma. o Snr. D. Augusto Álvaro da Silva, o Brasil torna-se, portanto, o primeiro país da América Latina a ter três cardeais.


NOVA ET VETERA

Do monte Horeb à cova da Iria

J. de Azeredo Santos

ESTAMOS (*) em uma época em vários pontos idêntica à de Elias, época dominada pelas preocupações materiais, pelo espírito de superficialidade, pela agitação em torno de exterioridades, pelo desprezo da ordem sobrenatural, pelo ressurgimento do espírito de Baal no racionalismo, no naturalismo, no sensualismo que avassalam os povos e as nações. Como bem acentua Weiss, hoje não é apenas o ateísmo que constitui uma terrível ameaça, mas podemos também falar francamente de um "perigo religioso", perigo do sal que perde sua força, dos pactos com o erro, da prudência da carne, da atenuação das verdades reveladas, da preocupação de servir a dois senhores. Época em que cada vez mais o mundo é dominado pelo despotismo totalitário, aliado às falsas místicas, e em que a humanidade, qual novo Nabot, se vê iniquamente forçada a perder a herança de seus pais. Mesmo em certos ambientes católicos a preocupação prevalente e obsedante não é a da reforma dos corações, das inteligências e das vontades, mas a da reforma das estruturas sociais e políticas. Daí as devastações que o socialismo vai fazendo nas hostes católicas, daí esse claudicar para os dois lados, de certas elites que se esquecem até mesmo das bases naturais que foram impostas por Deus às relações humanas e deitam suas raízes na lei eterna.

Eis porque vemos no retorno ao espírito do Carmelo uma das mais poderosas armas para combater os males de nosso tempo.

OS QUE NÃO SE CURVAM DIANTE DE BAAL

Dir-se-á que a espiritualidade carmelitana, que a doutrina de uma Santa Tereza de Jesus ou de um São João da Cruz apenas dizem respeito às almas contemplativas, às almas místicas por excelência. A renúncia, a desnudes espiritual, a purificação ativa e passiva dos sentidos e do espírito seriam armas a serem usadas apenas por alguns poucos eleitos, fora do alcance de quem se acha absorvido pelo tumultuar do mundo.

É bem verdade que os mais altos graus da santidade se acham reservados a algumas almas de escol. E, segundo os meios ordinários da Providência, essas criaturas excepcionais são enviadas por Deus à terra, tal como Elias, cheias de Seu espírito, perseverantes até o heroísmo, investidas, mesmo, do dom dos milagres, para reconduzir os homens ao caminho reto. Mas, acentuava Louis Veuillot, "esses grandes Santos, nós os denominamos grandes porque eles têm qualquer coisa a mais do que essa santidade que é de certo modo o sal quotidiano da terra e que a impede de se corromper até excitar o horror e abominação do Céu. Eles vêm com uma missão expressa, para reparar imensas desordens por imensos trabalhos. Hoje que a desordem é, por assim dizer, sem limites e que a sociedade se acha constituída sobre a negação de Deus, qual deverá ser esse trabalho? Revolver ruínas é um combater que faz ruínas. Os Santos não costumam surgir unicamente como conciliadores. Pregam a penitência e a trazem. São generais de um exército. Quer tenham por missão libertar o povo de Deus, perseguido e esmagado pelos seus inimigos, quer o conduzam às arremetidas grandiosas e às conquistas, eles abalam o mundo" (Introdução às Obras de Donoso Cortés).

Por outras palavras, deseja Deus que os povos correspondam às graças recebidas, embora a vitória definitiva não decorra dos seus esforços, mas tão somente do Alto. Entretanto, tal como aconteceu a Elias, modelo da união mística com Deus, que, consumido de zelo pelo Senhor dos exércitos, impetrou sozinho, na soledade, um auxílio divino a favor do povo escolhido, para o livrar da sanha dos seus inimigos, reservando-lhe o Senhor em Israel "sete mil homens, que não dobraram os joelhos diante de Baal, e não o adoraram", — assim também hoje. Diante dos efetivos cada vez maiores das forças do mal, não podemos proceder como soldados laxos, que depõem as armas, renunciando ao bom combate.

TODOS SÃO CHAMADOS À PERFEIÇÃO

Mesmo porque, segundo a doutrina de São João da Cruz, toda alma cristã é chamada à vida mística, do mesmo modo que é chamada a ser perfeita. Quanto à perfeição, longe de ser o privilégio de uma elite, inacessível, portanto, ao comum dos fiéis, Santa Teresinha acentua que foi a todos que Nosso Senhor disse: "Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito". Não há nenhuma alma, por pequena que seja, que não se possa tornar perfeita, pela profunda razão de que a perfeição sobrenatural não é obra do homem mas de Deus, requerendo de nossa parte a necessária correspondência à graça. A santidade, com efeito, não consiste, segundo a escola da Santa de Lisieux, em ações exteriores e mais ou menos espetaculares, mas em uma disposição do coração, no abandono à Providencia, na fidelidade, na constante presença de Deus em nós. Eis porque também dizia Santa Tereza de Ávila: "Creio que, como o demônio vê que não há caminho que mais rapidamente leve à suma perfeição que o da obediência, põe tantos desgostos e dificuldades sob o aspecto de bem. Que isto seja bem observado e verão claramente que digo a verdade. Consiste a suma perfeição, claro que não nas consolações interiores, nem em grandes arrebatamentos e visões, nem em espírito de profecia; mas em estar nossa vontade tão conforme com a de Deus, que nenhuma coisa entendamos que Ele quer, que não a queiramos com toda a nossa vontade, e tão alegremente tomemos o saboroso como o amargo desde que compreendamos que o quer Sua Majestade" (in "Las Fundaciones").

Para mostrar como esse chamamento à santidade e à perfeição da vida mística é universal, faz São João da Cruz insistentemente apelo à imagem da luz solar: "Assim como os vapores obscurecem o ar e interceptam os raios do sol... do mesmo modo a alma cujo entendimento é cativo dos apetites se acha obscurecida e não permite ao sol sobrenatural, que é a Sabedoria de Deus, a liberdade de penetrá-la e iluminá-la com seus resplendores".

Quanto maior for nosso esforço, pela ascese, na direção de Deus, esvaziando-nos de nós mesmos, desapegando-nos de todos os bens criados tanto mais nos aproximamos dessa divina claridade. E é para nos conduzir ao Único necessário, ao Tudo que é Deus, que na escalada abrupta do Monte Carmelo abandonamos os fáceis caminhos das consolações do céu e da terra, para galgar penosamente a estreita trilha da perfeição, ao longo da qual o Doutor Místico por cinco vezes escreve a palavra NADA. Eis a estrada real que, passando pela noite escura dos sentidos e do espírito, nos conduzirá ao cume da montanha sagrada, em que só moram a honra e a gloria de Deus.

IRMÃOS DA SANTÍSSIMA VIRGEM

O remédio para a fraqueza humana em tão difícil ascensão, nós o temos no Divino Alimento, que recebemos suplicando à Mãe de Misericórdia que nos empreste Seu coração para nele depositarmos Seu Divino Filho. Não é por outra razão que os Carmelitas, em santa intimidade, nos permitimos o título de Irmãos de Nossa Senhora. Eis a nossa força para enfrentar os sofrimentos, as provações exteriores e interiores, sinais manifestos de um amor de predileção. Só através do Divino Ascensor é que poderemos enfrentar o maior obstáculo à vida espiritual profunda, que é o horror ao sacrifício, ditado por um procedimento ilógico em nossa Fé, pela abertura de um fosso insondável entre a adesão às verdades reveladas, na Religião do Crucificado, e a nossa conduta real na vida. Tudo posso n'Aquele que me conforta: e assim, através do desprendimento, da pobreza ou desnudes espiritual, da plena entrega à vontade de Deus, chegamos à verdadeira liberdade, a nos livrar dos liames da imperfeição de nossa inteligência e de nossa vontade.

Irmãos de Nossa Senhora, dizíamos. O Carmelo é todo mariano. À Mãe de Deus nos achamos consagrados de modo total, íntimo e permanente, e d'Ela recebemos como privilégio, como marca distintiva desse amor de predileção, o Santo Escapulário, Hábito da Ordem do Carmo, cuja característica é o serviço de Maria, o Escapulário resume o fruto de muitos séculos de intensa vida mariana. E sua eficácia salvadora resulta do papel que à Santíssima Virgem está reservado na economia da Redenção. É Ela a Dispensadora, a Medianeira de todas as graças, pelo que um verdadeiro devoto da Mãe de Deus não pode condenar-se.

Foi pela Santíssima Virgem que Jesus Cristo veio ao mundo, diz São Luiz Maria Grignion de Montfort, e é também por Ela que no mundo deve reinar. Mas seria reduzir o verdadeiro alcance da devoção do Escapulário, e do privilégio a ele inerente, restringi-lo a uma eficácia meramente salvadora. "Também tem um poder santificador, isto é, possui valores ascéticos como fomentador de virtudes. Sendo habito de uma Ordem religiosa, cujo ideal se resume na oração e na abnegação para dedicar-se à contemplação de Deus pela pureza do coração, o Escapulário cria nos que o trazem de modo devido, a consciência da obrigação de fomentar este espírito. Deus não nos dá Suas graças particulares senão para excitar-nos a procurar a graça suprema, a perfeição cristã que nos faz semelhantes a Ele e nos dá direito à eterna gloria. Do mesmo modo, a Santíssima Virgem, nossa Mãe, com Seus inestimáveis privilégios, pretende elevar Seus carmelitas, religiosos, terceiros, à perfeita vida evangélica, especialmente pela prática da pureza, da oração e da penitencia" (Esteve e Guarch, "La Orden del Carmen").

A SOLUÇÃO MARIANA PARA O PROBLEMA SOCIAL

É aos filhos da Santíssima Virgem que caberá o papel de Seus instrumentos na derrota do dragão infernal nesta luta em que nos empenhamos. Nosso lugar, humilde e desconhecido e desprezado pelo mundo diz São Luiz Maria Grignion de Montfort, é sob os pés da Mãe de Deus e em contacto com a serpente. Sentir-lhe-emos toda a maldade, toda a hediondez repulsiva, mas ao mesmo tempo seremos reconfortados pela união com a Santíssima Virgem e, escudados pelas graças que d'Ela recebemos, teremos forças e ânimo bastante para levar a cabo a luta que Deus espera de nós. Não será nossa a vitória, mas só de Deus. Ele é que manifestará o poder de Seu Braço, desconcertando os corações soberbos e derrubando do trono os poderosos.

E para alcançar a paz social para o mundo, a Celeste Medianeira de todas as graças não propõe aos homens todo um programa de assistência material ou de reajustamento de fronteiras. Aparecendo em La Salette, em Lourdes e em Fátima, nossa Irmã, a Santíssima Virgem, não concita a humanidade a organizar reformas da estrutura social e política, ou miríficos planos para distribuição dos bens deste mundo. Aparecendo a ingênuas crianças e não aos poderosos do dia ou aos super-técnicos das ciências sociais, veio Maria Santíssima nos ministrar uma lição de humildade, e mostrar que tudo isso que nos será dado por acréscimo há de ser o resultado da extirpação dos verdadeiros males que afligem a pobre humanidade. Para obter a paz para o mundo, a Mãe de Deus nos veio exortar a mudar de vida e a não mais afligir com o pecado a Nosso Senhor. Para alcançar a tranquilidade que tanto almejamos neste mar encapelado de misérias e infortúnios, convida-nos a Virgem a recitar o Santo Rosário e a fazer penitência, pelos nossos pecados. Observância da Lei de Deus, oração e penitência, e tudo mais nos será dado como acréscimo.

Eis a clara mensagem de La Salette, de Lourdes, de Fátima. E a nós nos parecem também claros os desígnios do Céu quando em Fátima, no dia do portentoso fenômeno solar, a Mãe de Deus aparece a Francisco, a Jacinta, a Lúcia como a Virgem do Carmelo.

Piedosos devotos da Virgem Fiel não sejamos como aquele ridículo e iracundo administrador de Vila Nova de Ourem, que há trinta e cinco anos atrás, a 13 de agosto de 1917, prendia os três pastorinhos de Fátima, impedindo-os de ir ao encontro aprazado com a Santíssima Virgem. Não impeçamos através de nossos atos e de nossa malícia, que se realizem as comunicações sobrenaturais entre o Céu e a terra. Pelo contrário, tenhamos abertos os corações às moções da Divina Graça e não poupemos esforços e sacrifícios e orações para que através da Santíssima Virgem, Cristo volte a imperar em nossas almas, em nossas famílias, em todas as nações.

(*) A primeira parte deste artigo foi publicada no número passado.