“CARTA PASTORAL SOBRE PROBLEMAS DO APOSTOLADO MODERNO”
Uma faceta psicológica do brasileiro, que mereceria ser mais analisada, e que verdadeiramente nos distingue de outros povos, é nosso profundo interesse por tudo quanto se passa no mundo. Não seria difícil apontar em nossa literatura colonial, na do Império, e depois no período republicano, as diversas manifestações dessa disposição de espírito. Para não aludir senão a fatos contemporâneos, basta comparar a amplitude do noticiário internacional nos grandes jornais do Rio de Janeiro ou de São Paulo, com a que ocupa nos principais órgãos da imprensa do continente europeu. A desproporção é flagrante. Enquanto qualquer ocorrência de certo alcance político, econômico, social, cultural ou esportivo verificada em qualquer parte do mundo é noticiada imediatamente no Brasil com todos os pormenores, na Europa, pelo contrário, consagra-se apenas uma referência lacônica, e muitas vezes nem isto, a tudo quanto no cenário internacional não for absolutamente básico. Poucas são as cidades européias do tamanho de Campos, cuja população seja servida por tantos diários tão noticiosos quanto os nossos. A nossa elite intelectual está em contacto assíduo com os principais mercados de livro do mundo. Em quase todas as casas não só ricas, mas apenas abastadas, considera-se objeto indispensável o aparelho de rádio de ondas curtas, que capta notícias do mundo inteiro. Tudo quanto se passe no Exterior é ouvido, analisado, comentado não só pelos especialistas, mas nos mais variados círculos. A alma do brasileiro se abre avidamente para receber os ventos que sopram de todos os quadrantes do mundo.
Isto explica a ressonância profunda dos acontecimentos exteriores, em nossa vida interna. Para não nos atermos senão ao terreno religioso, que é o desta folha, é bem sabido que da Europa recebemos sempre os melhores como também os piores influxos. Uma das páginas mais gloriosas de nossa vida religiosa foi sem dúvida a resistência de Dom Vital ao maçonismo dominante em seu tempo. Infelizmente, esta atitude de intransigência do grande Bispo de Olinda não era então comum no Clero. Ela veio para Dom Vital da formação religiosa esplêndida que lhe deu o Seminário de Saint Sulpice de Paris. Paralelamente, tivemos no Brasil importantes sintomas de jansenismo, que se manifestaram até em pleno século XIX. O liberalismo católico que grassou na Europa durante tanto tempo, também aqui causou terríveis devastações. Depois da Encíclica "Pascendi", de Pio X, ele declinou tanto na Europa quanto no Brasil. E, por fim, quando, após a primeira guerra mundial, começaram a efervescer entre os católicos novas questões teológicas, filosóficas, sociais, econômicas, a repercussão deste fato entre nós foi imediata.
Desta efervescência, são testemunho alguns documentos muito sintomáticos, em boa hora publicados por autoridades de realce na Hierarquia Eclesiástica do Brasil, como o famoso edital que o então Vigário Capitular do Rio de Janeiro, hoje Arcebispo Auxiliar, Dom Rosalvo da Costa Rego, publicou a respeito de piedade privada e piedade litúrgica, no qual afirmava que problemas como este já haviam amargurado os últimos dias do inesquecível Cardeal D. Sebastião Leme; e a conhecida Circular dos Exmos. Srs. Arcebispo e Bispos da Província Eclesiástica de São Paulo, sobre a questão litúrgica. Esta efervescência se manifestou também por polemicas em vários órgãos da imprensa católica. Muito característico de tal situação foi que em 1943 o então Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica de São Paulo, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, tivesse publicado todo um livro sobre numerosos pontos controvertidos em matéria de A. C., livro este que deu ocasião aos pronunciamentos mais dispares, sendo de um lado elogiado pelo Emmo. Revmo. Sr. Cardeal Aloisi Masella, na ocasião Núncio Apostólico, e aprovado por numerosos Srs. Arcebispos e Bispos, e de outro lado vigorosamente atacado por numerosos elementos católicos de realce. E ainda mesmo depois da carta de louvor que, em nome de Sua Santidade, o Exmo. Revmo. Mons. J. B. Montini, então Substituto da Secretaria de Estado, escreveu ao autor, a discussão a propósito do livro não cessou inteiramente.
Como é natural, todos estes problemas ecoaram também em Campos, a tal ponto que o saudoso Arcebispo-Bispo D. Octaviano Pereira de Albuquerque, que a esse tempo regia a Diocese, escreveu sobre eles uma circular que figurará com honra nos fastos da Igreja do Brasil; e julgou oportuno recomendar a todo o Revmo. Clero a leitura do livro "Em Defesa da Ação Católica", do Dr. Plinio Corrêa de Oliveira.
Estes problemas, tão debatidos entre nós brasileiros, de fato não tinham nascido entre nós. Eram problemas internacionais.
E prova curiosa disto é que quando terminada a segunda guerra mundial, o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, julgou oportuno dirigir-se ao mundo inteiro para condenar os erros que serpeiam entre os fiéis, por uma série de luminosos e providenciais documentos — Mystici Corporis, Mediator Dei, Bis Saeculari, Humani Generis — verificou-se que os temas debatidos aqui eram quase todos, os que os pronunciamentos pontifícios vieram elucidando. Ora, quando o Papa fala ao mundo inteiro, sua intenção não é tanto de corrigir os erros existentes ou capazes de se irradiar em um só país, mas erros que ameaçam todos os povos. Eram pois universais os problemas que tão intenso interesse provocavam entre nós. Especificamente para estes erros, enquanto existentes apenas no Brasil, o único documento pontifício que se publicou foi a admirável
(continua)