(continuação)

"Ambas as espadas pertencem a Pedro: a espiritual para ser brandida por sua mão; a material, a seu aceno"

católicos de hoje, a ponto de levá-los a ver com indiferença as devastações que as raposas da heresia e da infidelidade vão fazendo nas vinhas do Senhor.

Ligada a esse espírito de Fé e a esse amor a tudo que diga respeito às coisas de Deus e de Sua Igreja, vinha em São Bernardo em grau excelso a virtude da humildade e da obediência. Neste ponto também foi o contrário do espírito revolucionário de nosso século, que pretende libertar a criatura do império sagrado do Criador. Para um católico, sobretudo para um Santo, nada há de rigorosamente profano: tudo deve ser usado, em sua própria ordem, para levar a criatura ao seu fim supremo. Em tudo deve ser feita a vontade de Deus, e não dos homens. Que outra coisa aborrece e castiga Deus no homem senão sua própria vontade? diz São Bernardo. "Cesset propria voluntas, et infernus non erit". Cesse a vontade própria e desaparecerá o inferno (In tempore Resurrectionis, serm. III, n. 3). Para domar e abater a esse monstro daninho, não há meio mais eficaz e seguro do que a espada da obediência. Desde a sua origem, com a rebelião dos anjos, que é o inferno senão o lugar dos que não conformam sua existência à vontade de seu Criador? E que é a Revolução senão a suprema obra de orgulho dos homens, a subversão da ordem querida por Deus entre as Suas criaturas?

Energia e franqueza apostólicas

Descendente de nobre linhagem, cercado no nascimento de grandes bens de fortuna, senhor de inteligência vivíssima e penetrante, São Bernardo, diz Balmes, "nunca sonhou em colocar seu intelecto fora do jugo da autoridade, o que não o impediu de se levantar como uma poderosa pirâmide acima dos homens de seu tempo", pois a verdadeira liberdade se acha no serviço da Verdade que vem de Deus, e não em ser escravo das mentiras do demônio. (Nele mentiras do demônio.)

Sua solicitude por toda a Igreja não conhecia descanso. Não havia lugar onde sofresse o Corpo Místico de Cristo sem que seu zelo inquebrantável também ali se exercesse. Passou pela vida fazendo o bem, armado pelo gládio da palavra divina, a humilhar o orgulho dos potentados e a confundir a maldade dos heresiarcas e semeadores de erros e discórdias.

Sabia São Bernardo que foi a fim de destruir as obras do demônio que o Filho de Deus veio ao mundo (1 Jo. III, 8). Daí empregar um cuidado todo especial no combate não somente aos inimigos internos, mas também aos inimigos externos da Igreja. E em sua ação era avesso a subtilezas e a subterfúgios. A arte de manobrar lhe era desconhecida. Preferia métodos diretos e sempre ia certeiro ao seu objetivo. Foi este um dos segredos de sua vitória na luta com Abelardo e em vários de seus embates públicos contra os heresiarcas. Não menor era a sua franqueza diante dos grandes e ao verberar a corrupção tanto fora quanto dentro da Igreja. Monumento dessa linguagem apostólica são os conselhos que dirigiu ao seu filho espiritual o Bem-aventurado Papa Eugenio III, no tratado De Consideratione escrito a pedido desse mesmo Soberano Pontífice.

Essa energia a essa franqueza o levavam a não dar tréguas aos inimigos da Igreja. E aqui temos uma outra característica do grande Santo, que era a sagacidade e o senso prático de não se deixar embair pelas falsas promessas de emenda ou pelas meras aparências. Nada de mais oposto às formas farisaicas de Catolicismo do que o Abade de Claraval.

Assim é que não deu sossego a Arnaldo de Bréscia. Expulso da França e proibido de voltar à Itália, procurou esse heresiarca refúgio na Suíça, junto do Bispo de Constança. Até lá o seguiu o zelo de S. Bernardo. Em carta ao Prelado denuncia as maldades de Arnaldo. E termina dizendo: "Sabendo disto, penso que para vós o melhor e mais sábio caminho nas presentes circunstâncias seria seguir o conselho do Apóstolo e eliminar do vosso meio o malfeitor (1 Cor. V, 13)... O Papa, com efeito, deu ordens para sua prisão. E se a Escritura nos exorta a apanhar as raposas pequenas que destroem as vinhas (Cant. II, 15), quão mais deveríamos nós tentar evitar que este forte e voraz lobo se lance dentro do aprisco do Senhor para devorar os cordeiros?" Foge Arnaldo para a Boemia, onde o Legado papal lhe dá hospitalidade na esperança de convertê-lo ao bom caminho. Era lícito tentar, "mas uma pessoa prudente não irá além dos limites fixados pelo Apóstolo", escreve S. Bernardo ao Legado: "Depois de admoestar uma ou duas vezes a um herege, evita-o" (Tito, III, 10). As futuras tropelias de Arnaldo de Bréscia em Roma dariam razão ao Santo Abade.

A tática das novas raposas

Já no tempo do Abade de Claraval as várias seitas coligadas contra a verdadeira Religião empregavam uma tática que mais tarde seria de novo usada pelos inimigos internos da Igreja. "Esses sectários, como os jansenistas mais para o futuro e como os modernistas em nossos tempos, continuavam a freqüentar os templos católicos, a aproximar-se dos Sacramentos, e a se conformar externamente a todos os costumes religiosos dos fieis entre os quais viviam" (Ailbe J. Luddy, O. Cist., em "Life and Teaching of St. Bernard"). Dividiam-se esses neo-gnósticos em apostólicos, henricianos, cátaros, patarinos, perfeitos, albigenses, etc., mas apesar desses diferentes e estranhos nomes com que eram conhecidos, na essência se achavam unidos na prática dos mesmos erros contra a Fé e os costumes. Julgava São Bernardo que a melhor maneira de desacreditar a esta classe de sectários era dar publicidade ao que eles procuravam manter envolto em trevas e em mistério.

Eis uma pequena amostra da linguagem do Santo Abade ao combater esse trabalho subterrâneo: "A Igreja teve suas raposas desde o início, mas até agora elas têm sido rapidamente expostas e capturadas. Os hereges dos primeiros tempos faziam-lhe guerra abertamente — e isto justamente era o que de modo especial os tornava hereges, seu desejo de conseguir um triunfo público".

"Mas que meios deveremos empregar para pegar estas muito malévolas raposas que preferem nos ferir por fraude secreta em vez de violência aberta, que nem se mostram, preferindo rastejar entre nós à sorrelfa? Até aqui, o fito comum de todos os hereges tem sido arrancar o aplauso humano pela exibição de conhecimento superior... Mas os hereges de agora, mais maliciosos e mais sagazes do que os seus antecessores, são singulares nisto, que só aspiram à ruína dos outros, sem procurar qualquer outra vantagem para si próprios. O sedutor moderno, avisado, creio eu, pela sorte de seus predecessores, tem o cuidado de operar o mistério de iniquidade (2 Thess. II, 7) com uma nova espécie de artimanha, e faz isto tão mais livremente quanto menos suspeitado..." (65.° Serm. Cant.).

E por que empregava Bernardo um zelo tão minucioso e tão grande argúcia em descobrir as raposas que devoravam as vinhas do Senhor? Porque achava que a cizânia não pode medrar junto do trigo, fazendo-se mister extirpá-la antes que sufoque toda a seara. Pois sustentava, em se tratando de disseminadores do erro, "não haver dúvida de que é melhor que eles sejam coibidos pela autoridade legítima do que livres de imbuir o espírito dos outros com suas crenças heréticas. Pois o príncipe é ministro de Deus para punir aquele que faz o mal (Rom. XIII, 4)".

O pregador de Cruzadas

Isto com relação aos inimigos internos da Igreja, os que destroem, do interior, a cidadela católica. Quanto aos inimigos externos, não foi menor a sua combatividade. Pregador da segunda cruzada, percorre a Europa corroborando com milagres portentosos a santidade daquela causa. No auge da popularidade, no decorrer desse trabalho de pregoeiro da Guerra Santa conhece seu Domingo de Ramos. Mas os desastres militares que cobriram de luto os países cristãos nessa campanha, embora tenham acarretado para o Abade de Claraval as agruras da Sexta-Feira Santa, não fizeram diminuir o seu zelo. A razão da derrota não fora a falta de santidade do objetivo, mas a falta de virtude dos cruzados, tal como acontecera com os israelitas que Moisés se dispusera a conduzir à Terra Prometida.

Encontrou também a Cristandade em São Bernardo a alma da cruzada contra os eslavos que ameaçavam os países cristãos do norte da Europa, bem como contra os mouros em Portugal e Espanha.

Aberta a campanha em favor da terceira cruzada pelo grande Abade Suger, conselheiro do rei de França, encontra ela em São Bernardo um apóstolo fervoroso. Ei-lo a escrever ao Papa Eugenio, concitando-o a dar decidido apoio a essa nova tentativa armada para a reconquista do Santo Sepulcro. Diz nessa carta: "A Paixão do Senhor é renovada e no mesmo lugar em que Ele antes sofreu. É por tanto chegado o tempo de desembainhar as duas espadas. E por quem senão por vós? Pois ambas pertencem a Pedro, uma para ser brandida por vossa própria mão, a outra ao vosso aceno, quando a necessidade o exigir. Com relação à espada material foi dito a ele: Mete a tua espada na bainha (Jo. XVIII, 11). Portanto, também esta lhe pertence, posto que não deva ser brandida por sua própria mão." Como já houve quem comentasse, não ordenou Nosso Senhor Jesus Cristo que São Pedro lançasse fora sua espada, mas que a repusesse na bainha, como a significar que não era aquele o ensejo de usá-la, para que se cumprissem as Escrituras.

São Bernardo e as relações entre Igreja e Estado

Nesta época em que a espada se acha normalmente nas mãos dos iníquos, esta linguagem deve parecer bem estranha. Mas quando nos lembramos de que a espada é símbolo da Justiça, é que vemos que os males dos tempos atuais decorrem em grande parte dessa separação dos dois gládios, o material e o espiritual.

Se o Estado é ateu, se o Estado professa o laicismo ou a indiferença religiosa, se o Estado trata na mesma plana a Verdade e o erro, ele há de forçosamente empunhar a espada da injustiça e as consequências serão as guerras injustas e as revoluções, serão as Gestapos e Guepeus que ensanguentam o mundo moderno. Mas poder-se-á considerar um ganho histórico essa horrível diferenciação das esferas próprias dos poderes espiritual e temporal?

Se a aspiração de Nosso Divino Salvador ao fundar a Santa Igreja foi a de que todos sejam um, não se terá dificuldade em compreender a posição de São Bernardo na questão das relações entre a Igreja e o Estado, que ainda é a posição dos católicos que aspiram pela conversão do mundo:

"As dignidades real e sacerdotal não podem ter traço de união mais doce, mais belo, mais forte do que o fato de ambas se acharem unidas na pessoa do Salvador, Que desejou nascer das tribos de Levi e de Judá de modo que pudesse ser ao mesmo tempo nosso Sumo Sacerdote e nosso Rei. Mais ainda, Ele também combinou e consorciou esses dois poderes em Seu Corpo Místico, que é o povo cristão, chamado, portanto, pelo Apóstolo, uma raça eleita, um sacerdócio régio (1 Pedro II, 9). E em outra passagem inspirada (Apoc. I, 6) não são todos os predestinados à Gloria descritos como reis e sacerdotes? Por conseguinte, o que Deus uniu, o homem não o separe (Matt. XIX, 6). Ou antes, que o homem seja zeloso no cumprir o que a divina autoridade ordenou, e que aqueles cujos institutos são aliados, os representantes dos poderes espiritual e temporal, se aliem também em coração e sentimentos; que eles se amem mutuamente, se defendam mutuamente, suportem mutuamente suas cargas. Pois, como diz o Sábio: Um irmão que é ajudado por outro irmão é como uma cidade fortificada (Prov. XVIII, 19). Mas se, pelo contrário (o que Deus não permita) eles vierem a se atacar um ao outro, não serão ambos levados à ruína? Eu, por mim, nunca aprovarei a opinião daqueles que dizem ou que a paz e liberdade da Igreja são prejudiciais ao Estado ou que a prosperidade e gloria do Estado são injuriosas à Igreja. Pois o mesmo Deus é Autor de ambos, a Igreja e o Estado, e Ele os uniu não para destruição mas para mutua edificação (2 Cor. X, 8)" (São Bernardo em carta ao Imperador Conrado, concitando-o a ajudar o Papa Eugenio III em sua luta contra Arnaldo de Bréscia pela posse de Roma).

Diante deste texto, como parece pequenino tudo o que se tem escrito sobre a chegada à maioridade política dos Estados modernos...

Na comemoração do oitavo centenário da morte daquele que, segundo Balmes, "foi capaz de influenciar a Europa e de precipitá-la sobre o Oriente, e que foi capaz de combater e vencer Abelardo, o precursor do racionalismo hodierno", peçamos ao suave cantor das perfeições da Virgem e enérgico destruidor dos inimigos da Igreja, que lá no Céu interceda por nós junto à Mãe de Deus, para que se apresse o dia de nosso resgate das mãos dos servos da iniqüidade que avassalam o mundo moderno.


PRONUNCIA-SE SOBRE A REFORMA AGRÁRIA O EPISCOPADO DO PARANÁ

Vem despertando o mais vivo interesse nos meios intelectuais e econômicos um artigo sobre "Reforma Agrária", publicado pelo Exmo. Revmo. Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D., na revista "Digesto Econômico" de junho p.p., revista esta que é órgão da Associação Comercial e da Federação do Comercio paulistas.

A Diocese de Jacarezinho, no Estado do Paraná, é uma das mais extensas do Brasil, e em seu território se situa precisamente a zona de maior desenvolvimento da cultura cafeeira. O ilustre Prelado, que com uma atividade admirável não tem cessado de a percorrer de ponta a ponta, conhece-lhe os mais remotos rincões, e tem feito suas visitas pastorais com olhos de sociólogo, pelo que está ao corrente de todos os pormenores da vida material e intelectual de seus diocesanos. Assim, pode falar com autoridade sobre os aspectos não só morais como econômicos e sociais da questão agrária. Ademais, S. Excia. Revma., que é doutor pela Universidade Gregoriana, ex-professor de Teologia Dogmática no Seminário Maior da Província brasileira da Congregação do Verbo Divino, e catedrático da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é reconhecidamente um dos teólogos mais insignes do Brasil. Assim, seu artigo se reveste da maior importância nos debates a que a questão agrária vem dando azo entre nós.

Começa S. Excia. Revma. por mostrar que a agitação feita em torno da questão agrária é mero ardil do comunismo, que intenta "quebrar a coluna mestra da ordem no Brasil", que é a normalidade da vida agrária, afim de poder "arrasar toda a sociedade atual e criar uma estrutura nova". Para isto, querem os agentes de Moscou suprimir a grande e media propriedade, bem como o salariado rural, impor a repartição das terras e a extinção do colonato.

Para alertar contra estes intentos a opinião católica, o eminente Prelado elaborou um conjunto de teses que propôs à apreciação dos Exmos. Srs. Bispos da Província Eclesiástica do Paraná, reunidos em Curitiba a 11 e 12 de março p.p. Estas teses foram aprovadas por unanimidade. E como interessam a todo o Brasil, publicamo-las a seguir:

1 — O objetivo da Reforma Agrária deve ser duplo:

a) garantir a um grande número de trabalhadores rurais a propriedade da terra;

b) garantir aos assalariados rurais uma retribuição justa, dentro das normas do salário mínimo e familiar.

As considerações que nos foram propostas pelo Secretariado (da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros) se referem quase exclusivamente ao problema da pequena propriedade; mas não é este o problema único. Ao lado deste há outro: que o trabalhador rural ganhe o suficiente para se manter dignamente, e possa ainda conseguir os fundos necessários à sua autonomia.

2 — A desapropriação deve ser a extrema, a última medida de que se lança mão no intuito de conseguir os dois fins da reforma agrária.

3 — O primeiro objetivo pode ser alcançado no Brasil, normalmente, sem o recurso à desapropriação;

a) O governo possui grandes zonas de terras devolutas. Em lugar de desapropriar as grandes fazendas, deveria ele dividir primeiro entre os pequenos lavradores a maior parte das suas terras devolutas. No Norte do Paraná, em Mato Grosso, no Vale do Rio Doce, neste momento estão sendo vendidas terras do Estado. Mas em vez de pequenas glebas de 10 a 40 alqueires, as glebas normais, são, no Paraná, de 200, e em Mato Grosso, de 800 alqueires.

b) Mesmo nas zonas de terras devolutas vendidas em pequenas glebas de 10 a 50 alqueires, por exemplo, convém que haja algumas grandes propriedades. Só o grande proprietário é, em geral, fator de melhoria dos métodos agrícolas: seja porque viaja e vê outros métodos, seja porque pode contratar técnicos, seja porque manda seus filhos estudar agronomia. O pequeno proprietário é rotineiro e tradicionalista.

4 — O governo, com a facilidade que lhe proporcionam suas terras devolutas, pode realizar por si mesmo, ou contratando grandes companhias, o loteamento, a venda, a abertura, a desmatação dessas glebas, e vende-las em condições tais, que o pequeno proprietário possa paga-las com a própria produção.

5 — Nesta tese, lembra-se que o governo errou em sua política agrária na crise do café em 1929-30.

6 — Há casos em que imensas zonas são monopólio de poucas pessoas, que por princípio não vendem terras a pequenos proprietários. Neste caso, uma desapropriação se justifica.

Igualmente se justifica uma desapropriação quando as zonas circunjacentes dos centros consumidores são propriedade de latifundiários que, podendo produzir, não produzem os bens de consumo de que o centro necessita, preferindo dedicar-se à especulação imobiliária.

7 - Justifica-se também a desapropriação prévia das áreas que o governo vai transformar pela açudagem, drenagem, canalização, porque é o dinheiro público que causa a valorização dos terrenos. No entanto, convém que ela seja anterior às obras, e não posterior.

8 — Este item sugere a conveniência de se agruparem em aldeias os pequenos lavradores que vivem isolados em suas glebas.

9 — Os esforços destinados à multiplicação da pequena propriedade são abençoados pela Igreja, contanto que a propriedade média e familiar exista ao lado da propriedade pequena e da grande.

10 — As propriedades devem variar, desde as muito pequenas até as grandes. O ideal é que as médias sejam muito numerosas. Mas as propriedades médias devem dar trabalho à família do proprietário e a mais alguns assalariados. Quando os filhos são numerosos e crescidos, onde trabalharão? Na propriedade paterna? Então, antes que eles crescessem, lá foram empregados necessariamente operários assalariados. Se a propriedade paterna, nos primeiros anos da família, só deu trabalho para o casal, os filhos terão de buscar outras propriedades onde serão empregados. O assalariado rural é, pois, indispensável.

11 — Os salários dos empregados rurais serão familiares. Mas a forma de obter este salário pode variar. Trabalhando em regime de tempo integral, os operários rurais deverão ser pagos integralmente em dinheiro ou em viveres equivalentes para realizar o salário-família.

12 — Deve-se ter, ao lado desses assalariados integrais, outros meio-assalariados.

13 — Neste ponto se entrosam os colonos de café. São essencialmente empreiteiros que se comprometem por doze meses a cuidar de certo número de cafeeiros. A fazenda lhes dá em pagamento uma quantia em dinheiro, ou parte em dinheiro, parte em espécie, ou ainda — o mais comum — parte em dinheiro, parte cedendo o usufruto das ruas livres entre os cafeeiros para o plantio de cereais. O trabalho fora da limpeza do cafezal é pago extraordinariamente.

14 — A Igreja considera este contrato lícito, justo e recomendável. Mas exige:

a) que a remuneração total dinheiro, víveres, usufruto das terras — permita uma existência digna;

b) que as condições de moradia e de assistência sejam tais que o colono possa ter saúde e educar bem os seus filhos;

c) que o colono sadio, trabalhador e econômico, em casos normais, ganhe o necessário para colocar de lado algumas reservas que lhe permitam adquirir depois de alguns anos uma pequena propriedade.

15 — Além do puro assalariado e do colono, há lugar para o pequeno proprietário de chácaras, que trabalha algum tempo em sua terra, e em outras ocasiões se emprega nos sítios ou fazendas vizinhas. Este "pequeno proprietário" não deve ser condenado, e sim favorecido. Esta condição de meio proprietário e meio assalariado é melhor do que a do puro assalariado e do puro colono.

Propostas:

I — Os Bispos recomendam que a Assembléia dos Cardeais e Arcebispos declare a legitimidade dos salários rurais e ensine a doutrina católica sobre eles.

II — Os Bispos recomendam a Conferencia (Nacional dos Bispos Brasileiros) solicitar ao Governo Federal leis que facilitem a criação do "Bem de Família", a "Liberdade de Testar", e introduzam a isenção dos impostos de transmissão "causa mortis", para que se perpetuem as pequenas e médias propriedades, porque a atual legislação brasileira impede que as pequenas e médias propriedades subsistam.

III — Os Bispos recomendam à Conferencia solicitar ao governo que em lugar de criar tantos ginásios no interior crie "Escolas de Agricultura", para que o nível técnico da pequena propriedade cresça.

Reproduziremos em nosso próximo número as considerações com que o ilustre Bispo de Jacarezinho, que Campos conhece e tanto admira, aduziu no mencionado artigo como fundamento deste magnífico elenco de teses.