Segundo a ordem da Providência, os homens devem reunir-se formando famílias, sociedades intermediarias e povos. Um povo, de acordo com o imortal ensinamento de Pio XII, é a articulação orgânica de elementos desiguais e harmônicos, que trabalham para o bem comum. Sempre inimigo de Deus, o demônio age sobre os homens para reduzi-los a imensas massas anorgânicas, em que eles estão como que soltos uns dos outros, à maneira de grãos de areia numa praia, e são escravizados ao mecanismo frio e inexorável do Estado igualitário.
0 PRÍNCIPE DA MENTIRA ODEIA A RACIONALIDADE DA CRIAÇÃO
Fernando de Mello Gomide
(Do Instituto Tecnológico de Aeronáutica de
São José dos Campos)
Antes de abordarmos o tema deste pequeno artigo, procuremos fixar idéias dirigindo a atenção para esse objeto feito pelo homem e chamado "relógio". Um relógio é um artefato cujo funcionamento resulta da aplicação de diversas leis conhecidas do universo material. Só concebemos a existência da estrutura racional caracterizadora do comportamento do relógio pela existência da inteligência humana que o projetou. A inteligência humana do artífice é que aplicou as leis conhecidas na constituição desse objeto. Dizemos, a partir daí, que o relógio é um objeto inteligível. Existe esse objeto inteligível porque existe o homem inteligente que o idealizou e construiu. Passando-se para outra ordem de realidade encontramos algo semelhante: o universo é inteligível porque pensado e criado por Deus. Vejamos melhor isso.
Focalizemos a atenção muito rapidamente sobre o mundo de racionalidade que o universo material apresenta. As ciências do universo material têm progredido em profundidade e extensão, mas sempre com esta nota característica: quanto mais se conhecem as leis da natureza, maior se torna o horizonte de problemas a serem resolvidos. Quanto mais se, responde aos "porquês" formulados pelos cientistas, mais e maiores "porquês" aparecem. Cada problema solucionado abre a porta para novos e mais difíceis problemas. O ambiente científico é muito diferente daquele imaginado pelo povo, segundo o qual as ciências fechariam os horizontes dos "porquês" após a solução de certo número de indagações. Ora, o progresso científico mostra precisamente isto: o universo material possui um conteúdo inteligível que parece inesgotável. São Tomás de Aquino em diversos lugares (1) defende a tese de que a mente humana não pode atingir as relações inteligíveis últimas das coisas. A exuberância de inteligibilidade, que possui o universo, ofusca nossa inteligência. Essa exuberância se manifesta na complexidade e variedade. Assim, por exemplo: as leis que governam o comportamento das galáxias não são as mesmas que caracterizam o sistema solar; o mundo atômico está sujeito a leis essencialmente distintas daquelas que são típicas do mundo macroscópico. O átomo não é o que vulgarmente se pensa, um sistema solar em miniatura. Cada região do universo comporta-se de acordo com leis especificamente distintas. Mas, todas essas leis estão subordinadas a outras, muito gerais, que valem para todo o universo conhecido, o que indica que a criação material é ordenada em suas diversas partes. O universo é um todo complexo e magnificamente variado.
Podemos resumir em duas palavras as considerações que fazemos aqui: o universo criado é inteligível em profundidade e extensão. Por que, pois, possui ele tal conteúdo de racionalidade? Precisamente porque é sustentado na existência pela ação de Deus. Diz o Rei David: "Quão grandiosas são vossas obras, como são profundos vossos pensamentos" (2). "Numerosas em extremo são vossas obras, Javé! Todas as coisas fizestes com sabedoria". (3). Por isso diz São Tomás que "toda coisa existente possui a verdade de sua natureza na medida em que imita o conhecimento de Deus" (5). O mundo criado, na sua exuberância de inteligibilidade, é um reflexo da verdade infinita e insondável do Altíssimo. Eis porque o universo é inteligível em extensão e profundidade. A vastíssima extensão e a imensa profundidade do conteúdo de leis no universo são imitações, na criatura, do infinito e do insondável que é o pensamento de Deus.
Esse tema que estamos observando é bastante fecundo em consequências, particularmente em relação ao mistério de iniquidade. Vejamos que considerações podemos fazer a esse respeito.
O príncipe das trevas e suas hordas infernais são seres criados que se encontram imersos na maldição do ódio de Deus. Reciprocamente, odeiam a Deus. Mas esse ódio se volta contra eles próprios, pois, como criaturas, são sustentados na existência pela mão onipotente do Altíssimo. O demônio odeia a si mesmo, desejando seu próprio aniquilamento, isto é, desejando não existir. Mas isso, ele, como criatura que é, não pode conseguir, pois somente o Criador pode fazer com que um ser deixe de existir. Eis um terrível castigo que Deus na sua justiça sapientíssima aplica a seus inimigos: deixá-los existindo contra o próprio desejo deles.
Ora, se o demônio odeia a si mesmo com o desejo de auto-aniquilamento, é obvio que também odeia a todas as outras criaturas. Mas, sabemos que a criação é um esplendor de racionalidade. Portanto, é lógico supor-se que o príncipe das trevas e seus sequazes mobilizem todos os seus esforços para introduzir a desordem no universo. A presença de tais esforços é manifesta na história. Os povos pagãos foram e continuam sendo escravos de doutrinas que trazem o selo das trevas. Esse selo é nítido no cunho panteísta das religiões egípcias, mesopotâmicas, hindus, tibetanas, etc. A doutrina panteísta, ao pintar a criação como um só ser amorfo, indiferenciado e indeterminado, a que ela dá o nome de "deus", está apresentando ao homem uma violentação lógica da realidade, que, como sabemos, é complexa, diferenciada, constituída de numerosíssimos entes individuais racionalmente relacionados.
Satanás é o príncipe da mentira. Como odeia a realidade racional de toda criatura, como odeia o homem que Deus remiu com seu próprio sangue, ele é mentiroso até o mais íntimo de seus propósitos. O mundo neo-pagão, essa pirâmide construída por Lúcifer, é uma colossal obra de mentira. A sociedade moderna é profundamente igualitária, o que se manifesta claramente nas regiões orientais totalmente socializadas pelo comunismo, e no Ocidente onde os processos de socialização e nacionalização vêm transformando o povo em massa amorfa e inerme diante do Estado cada vez mais impessoal e inumano. Esse igualitarismo é outro exemplo daquele tipo de violentação da lógica das coisas, que o inferno insufla na inteligência decaída dos filhos de Adão. O demônio, odiando a ordem de diferenciação complexa, racional e ordenada que deve existir na sociedade, entoa nos ouvidos humanos o cântico mentiroso de que todos devem ser iguais. O resultado desta sedução é uma sociedade simplificada e monstruosa, constituída por duas partes: máquina burocrática (o Estado) e massa. Essa constituição ocorre tanto nos países comunistas como nas chamadas democracias.
Concluamos as considerações do presente trabalho. Lúcifer sabe que seu tempo é limitado, mas nem por isso deixa de lutar contra Deus, pois seu ódio ofusca sua própria inteligência, essa inteligência que ele também odeia porque foi criada por Deus. Nessa luta contra o príncipe das trevas, em que nós, católicos, estamos envolvidos, a última palavra pertence ao Verbo Humanado, nosso Criador e Redentor. São João nos fala sobre isso com expressões majestosas e misteriosas: "Depois vi o céu aberto, e eis um cavalo branco e o que estava montado nele chamava-se o Fiel e o Verdadeiro, que com justiça julga e peleja. E os seus olhos eram como uma chama de fogo, e tinha sobre a cabeça muitos diademas e um nome escrito que só ele próprio conhece. E vestia uma roupa salpicada de sangue, e o seu nome era Verbo de Deus. E seguiam-no os exércitos que estão no céu, em cavalos brancos, vestidos de finíssimo linho branco e limpo. E da sua boca saía uma espada de dois gumes, para com ela ferir as nações. E as governará com um cetro de ferro, e ele mesmo pisa o lagar do vinho do furor da ira de Deus todo-poderoso. E traz escrito na sua veste, à ilharga: Rei dos reis e Senhor dos senhores" (6).
1) Suma Teológica I, q. 3, e Suma contra os Gentios, II, 3.
2) Sl. 92, 6.
3) Sl. 103, 24.
4) Jo. 14, 6.
5) Suma Teologica I, q. 14, a. 12.
6) Apoc. 19, 11 a 16.
VERDADES ESQUECIDAS
O ódio dos Maus, Glória da Verdadeira Imprensa Católica
A vista da idéia, por vezes expressa, de que a firmeza doutrinaria de "Catolicismo" tem o inconveniente de atrair sobre ele o ódio dos ímpios, encontramos uma preciosa justificativa de nossa atitude neste tópico da carta “Omnes quidem filios” de 10 de maio de 1914, ao Padre Francisco Xavier Wernz, Geral da Companhia de Jesus:
Em primeiro lugar, é-Nos agradável congratularmo-Nos, de Coração com essa Companhia, que neste período de cem anos tão bem se empenhou em promover a gloria de Deus e a salvação das almas, e isso de tantas maneiras: nos trabalhos das Santas Missões na formação da juventude, no ensino da filosofia e da teologia segundo a doutrina de São Tomás de Aquino, na aplicação dos labores sacerdotais de todos os dias e principalmente na pregação dos Exercícios Espirituais, na divulgação de bons, doutos e vigorosos escritos.
Mas sobretudo congratulamo-Nos com a Companhia de Jesus por ter ela sofrido e ainda sofrer, da parte dos maus, tantas indignidades e contumélias. Pois a causa de todas essas hostilidades não é senão sua exemplar dedicação e devotamento a Sé Apostólica, que, por certo, nenhum católico negará que se deve colocar entre as maiores glorias dessa Sociedade. De resto, sabemos que o mundo não pode conservar-se em paz com aqueles que seguem piedosamente Jesus Cristo, como o Senhor mesmo advertiu as seus: "Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos repelirem, carregarem de injurias e rejeitarem como mau o vosso nome, por causa do Filho do homem" (Luc. 6, 22) SÃO PIO X