DOUTRINA ANÁRQUICA DA ETA: "CONSCIENTIZAÇÃO" RUMO À "AUTOGESTÃO TOTAL E GLOBAL"

Lúcio Mendes

Paulo Garraza Garcia, chofer de taxi, foi assassinado em dezembro de 1983 por terroristas da ETA, na localidade de Renteria, no país basco.

A IMPRENSA, o rádio e a televisão relatam com frequência atentados terroristas ocorridos na Espanha, por vezes de uma ferocidade estarrecedora: autoridades ou pacíficos transeuntes metralhados à "queima roupa", veículos ou edifícios, e até mesmo escolas, destruídos por poderosas bombas. Famílias inteiras, inclusive crianças, são assim barbaramente assassinadas, mutiladas ou gravemente feridas.

Tais fatos estão muitas vezes ligados a uma sigla: ETA (em dialeto basco: "Euskadi Ta Askatasuna", ou seja, "Pátria basca e liberdade"), que identifica um grupo terrorista que diz lutar pela independência da província basca, a nordeste da Espanha. O que está por trás dessa sigla?

Quem conhece a província basca e o seu simpático povo, sabe que os bascos se caracterizam em sua maioria como pessoas de uma fé simples, profunda e robusta, por ter um caráter franco e impetuoso, mas sabendo levar uma vida em que esses aspectos se harmonizam com a hospitalidade acolhedora, a amizade sincera e a piedade verdadeira.

O que faz, portanto, entre tal povo, esse grupo terrorista? O que pretende? Quais suas ideias?

* * *

Rejeitados pela maioria da população e vivendo na clandestinidade, tal grupo, como é próprio aos filhos das trevas, não ousa apresentar-se por inteiro e à luz do dia.

Veio ter-nos às mãos a "Revista comunista libertária de Euskadi - Askatasuna" (1), cujo autor não ousa afirmar claramente que ela pertence à ETA, mas o deixa entrever. Afirma sua própria militância na ETA e outros corpúsculos comunistas (p. 124), refere-se à ETA com simpatia em toda a obra, e insiste sobre a liberdade para "Euskadi" ("Pátria basca"). Liberdade, bem entendido, é para ele o mesmo que comunistização total, ou melhor, anarquia. Prega o autor: "Anarquia .... cujo significado etimológico é NEGAÇÃO DO PODER" (p. 161 - em destaque no original).

O médico Ramiro Carasa, assassinado brutalmente pela ETA em 1982, na localidade de Papaki, a 15 km de San Sebastián.

Que interesse haveria para o leitor de "Catolicismo" em conhecer semelhantes doutrinas e planos de ação? Parece-nos útil ver a que absurdos desce o homem quando se afasta da Santa Igreja Católica e fecha os olhos à luz de sua doutrina sábia, perene, eterna. Por outro lado, é frisante a identidade entre várias metas de tal grupo com as metas de outros, aparentemente "moderados": socialistas, "teólogos da libertação", Comunidades Eclesiais de Base etc. Radicais na meta, diferem apenas no método. Assim, a referida revista anarco-comunista tem um "mérito": dizer o que os outros não dizem... ou não acham oportuno dizer.

Bem sabem, os que não dizem, que só caminham à custa de ocultar a meta para onde vão.

A meta: anarquia autogestionária

De acordo com o mal velado "porta-voz" de ETA, é preciso ir além do comunismo, a extremos que ele mesmo enuncia: "Negamos, portanto, como etapa de transição para o comunismo, a necessidade do chamado 'Estado operário' "(p. 164). E propõe "a destruição definitiva de todos os privilégios e de seus defensores, os privilegiados, até à abolição das classes e à reorganização em escala global da vida a todos os níveis das relações humanas. .... a organização autogestionária da sociedade pelos próprios trabalhadores. .... A construção da autogestão generalizada passa pela DESTRUIÇÃO DE TODAS AS ESTRUTURAS políticas, econômicas e Sociais" (pp. 114, 115 e 117 - destaque nosso).

Destruídos esses valores, a meta é a instauração de pequenos grupos autônomos (tribos?) em que haja igualdade completa, e cujos membros reger-se-iam a si próprios, segundo deliberação da "maioria".

O obstáculo: a indiferença dos trabalhadores

Semelhante "paraíso", segundo a mitologia marxista, deveria despertar entusiasmo entre os operários "oprimidos". Desde 1848 se vem proclamando, com Marx, que eles o querem. Tal entretanto não acontece, e a revista comenta: "A grande maioria dos trabalhadores e o povo simples continua observando e não sabe que alternativa tomar, ou simplesmente se abstém" (p. 25). E conclui melancolicamente: "A alternativa socialista ou comunista, que é a nossa, se apresenta de imediato como dificilmente realizável" (p. 32).

Como superar tal obstáculo? Se os próprios interessados - os trabalhadores - não se revoltam, o que fazer? "Não significa começar aqui e agora a pôr bombas a torto e a direito .... mas podemos buscar o caminho inteligente do enfrentamento múltiplo e simultâneo de cada dia em nosso próprio terreno, que crie organização e CONSCIÊNCIA revolucionária" (p. 136 - destaque nosso). Aqui constatamos a defesa, portanto, do trabalho preliminar de "conscientização", tão nosso conhecido a propósito da atuação das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs.

Sobre isso o autor é mais explícito ao dizer que essa indiferença da classe operária "nos impõe um RECUO TÁTICO, ao mesmo tempo que um intenso trabalho prévio de informação-formação" (p. 172 - destaque nosso).

Gradualidade, caminho para a radicalidade

Uma vez que não podem caminhar com a rapidez desejada ("Temos que apressar-nos!", dizem), é preciso resignarem-se a ir devagar, por meio de "uma conquista sucessiva .... de parcelas de liberdade e gestão direta .... até a autogestão total e global" (p. 121).

O que é a "autogestão total"? Ao enunciar sua plataforma, o autor anarco-comunista propugna claramente a destruição das classes sociais, da propriedade, da família, das leis, da moral, das Forças Armadas e do próprio Estado (pp. 119, 120, 126, 163, 184 ss.). Em essência, essa é a doutrina enunciada no "Projet Socialiste pour Ia France des années 80". Esse documento - é oportuno lembrar - foi profundamente analisado e refutado em seus fundamentos pela já célebre Mensagem das 13 TFPs, de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Tal manifesto, saído a lume em 1981, foi publicado em 46 jornais dos maiores do Ocidente, tendo 23 outras publicações estampado um nutrido resumo do documento. Desta forma, três e meio milhões de exemplares de órgãos de imprensa estamparam, no todo ou em parte, o transcendente ensaio das 13 TFPs. A repercussão alcançada pela referida Mensagem em âmbito mundial foi impressionante, conforme atesta o artigo "Repercute no mundo inteiro a Mensagem das TFPs", publicado no n.º 379 de "Catolicismo", julho de 1982.

Sobre a "paz", é curiosa a contradição em que incorre o autor espanhol: proclama-se a favor da paz, e por isso quer as Forças Armadas não destruídas, mas substituídas por "milícias operárias", em que "a autodisciplina substitui a hierarquia. O uniforme e a ideologia da obediência são abolidos...., cada trabalhador deverá portar uma arma permanentemente". E conclui, paradoxalmente, LOGO NA FRASE SEGUINTE: "Na sociedade comunista mundial, as milícias e as armas já não têm razão de existir" (pp. 119-120).

Talvez a causa dessa contradição seja o que o autor diz em certo momento: "EU MESMO, todos, estamos em crise" (p. 88 - destaque nosso).

Apoio da "esquerda católica"

Para a instauração dessa sociedade anárquica, oposta em tudo ao Evangelho e ao ensinamento perene da Igreja, que aliados úteis enumera o artigo da "Revista comunista libertária"? Entre outros, os "católicos de esquerda" ou "progressistas".

Com efeito, comentando as lutas sindicais, o autor diz: "Com o desenvolvimento de UM NOVO TIPO DE CONSCIÊNCIA social-cristã, foram caracterizados os passos de um sindicalismo mais autônomo e SOCIALIZANTE, nos sindicatos católicos belgas" (p. 55 - destaque nosso). Para não ficar dúvida de que tal coisa se dá também na Espanha, diz mais adiante: "A maior parte dos revolucionários .... que intervieram para construir de novo a CNT (confederação sindical anarquista espanhola) desde seus alicerces mais elementares, havia militado em organizações marxistas, nacionalistas, CATÓLICAS e SOCIALISTAS-CRISTÃS etc" (p. 85). Para o sindicato nacional comunista espanhol não perder a pouca força que tinha, foi preciso ser "fortalecido, dinamizado e organizado por operários católicos" (p. 107).

Na tarefa de "conscientização", sugere o livreto comunista: "Localmente, uma seção sindical, uma IGREJA etc., podem ser utilizados como centro de reunião e trabalho" (p. 113). E de se temer que o uso de igrejas, de modo análogo ao que ocorre no Brasil, seja feito com o apoio mais ou menos claro do clero "progressista". De fato, o trabalho sugerido pelo autor nessa fase de "recuo tático" é, em muitos pontos, semelhante ao desenvolvido pelas Comunidades Eclesiais de Base - CEBs (2).

Ditadura em nome da liberdade

Na "plataforma" de ação proposta, o autor anarquista aponta como meta "a transformação da sociedade atual em uma fraterna, igualitária e livre". Tão livre que dá, oficialmente, até o "direito de errar" (p. 178).

Mas há um erro que, nessa "liberdade", é imperdoável: discordar da maioria. "Para todos uma obrigação: cumprir os acordos tomados a nível de congresso" (p. 162). E acrescenta: "Depois da conquista do poder por parte do proletariado, os sindicatos adquirem um caráter de OBRIGATORIEDADE: devem incluir TODOS os operários" (p. 46). Mesmo os que não queiram, portanto...

Ou seja, são todos "livres", desde que abaixem a cabeça, reneguem a Fé, violem a moral e os bons costumes, deem sua adesão à meta última: a implantação da autogestão total, como forma avançada de comunismo.

Numa "sociedade" assim concebida, não haveria lugar para os que querem permanecer verdadeiramente católicos. Estaria implantada a ditadura... em nome da liberdade.

* * *

Encerrando o presente artigo, lembremo-nos de que a verdadeira liberdade é, para o homem, a submissão amorosa e solícita aos Mandamentos de Deus e aos ensinamentos perenes da Santa Igreja Católica, Mãe e Mestra da Verdade.

NOTAS:

(1) Mikel Orrantia "Tar", "Por una alternativa libertária y global", in Revista Comunista Libertária de Euskadi-Askatasuna, Colección "Lee y Discute", n°. 89, Ed. Zero, Bilbao, 1978, 190 pps.

(2) Cfr. "As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece - A TFP as descreve como são", Plinio Corrêa de Oliveira, Gustavo Solimeo e Luis Solimeo, Ed. vera Cruz, São Paulo, 61. edição, 1984, pp. 79 e ss.; P. 202 e ss.

Funeral por uma vítima do terrorismo da ETA.

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