O atual primeiro-ministro socialista Bettino Craxi, apesar do fracasso das reformas de ensino na Itália, vem se empenhando em ampliá-las.
Gregório Corrêa
A AUTOGESTÃO, denunciada perante a opinião pública mundial pela histórica Mensagem de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira - "O socialismo autogestionário: em vista do comunismo, barreira ou cabeça-de-ponte?" - não constitui uma fórmula catastrófica apenas no campo econômico-social. Ela também é desastrosa no terreno educacional. É compreensível, pois, a reação dos franceses ao projeto socialista de lei de reforma do ensino, proposto em 1982, bem como às "propostas para a abertura das negociações" de autoria do ex-ministro Alain Savary, apresentadas em dezembro daquele ano. Tais proposições, que estabeleceriam autogestão no ensino universitário, sufocariam a instrução de primeiro e segundo graus, a qual permaneceria sob o jugo monopolizador do Estado socialista.
"Catolicismo", em sua edição de setembro de 1973 (n° 393) analisou e criticou tais propostas, retiradas pelo governo Mitterrand devido à forte reação da opinião pública francesa.
Na Espanha um projeto de lei análogo à reforma educacional francesa - Lei Orgânica do Ensino (LODE) - introduziu a autogestão nas escolas secundárias e, como havia sido planejado na França, praticamente elimina a autonomia dos estabelecimentos privados de ensino médio. A propriedade de tais escolas - instituições religiosas, na maioria -, segundo a LODE, de momento não será confiscada, mas seus proprietários ficam reduzidos, na expressão de um religioso, a "varrer o pátio" e responder perante os tribunais trabalhistas por decisões cuja responsabilidade será de outros. Sim, por decisões de um conselho que assumirá o controle e a gestão da escola, mas não as responsabilidades... Conselho autogestionário, que passa a exercer as funções privativas do diretor, e é composto por delegados dos alunos, professores, pais, pessoal de serviço e uma representação minoritária do proprietário. Não faltou quem qualificasse, com razão, tal órgão como soviet.
"Catolicismo", em sua edição de março de 1984, n". 399, fez uma análise critica da LODE, que foi aprovada no ano passado pelas Cortes espanholas.
Alunos comunistas do Instituto Químico da Universidade de Roma praticaram atos de vandalismo nas classes, por ocasião do movimento contestatário de 1977.
Outro aspecto do vandalismo estudantil nas classes.
A experiência autogestionária italiana é bem anterior às iniciativas dos socialistas franceses e espanhóis neste sentido.
Em 1974, as Câmaras italianas aprovaram o Decreto Malfatti ("I Decreti Delegati"), que estabelecia a participação dos estudantes, pais e professores na direção dos institutos secundários italianos. Esta lei foi qualificada como "grande revolução silenciosa" pelo ministro que lhe deu o nome ("Il Giornale", Milão, 19-9-74).
O apoio dos partidos políticos ao referido decreto foi praticamente unânime. A chamada esquerda extraparlamentar opôs-se à "moderação" da-nova lei.
Poucos foram os que, com descortínio e coragem, viram o fundo radicalmente esquerdista da lei e alertaram a opinião pública para o perigo que ameaçava a juventude e a nação italianas.
De modo especial, um movimento salientou-se na previsão e na luta contra o caos que se procurava instalar nas escolas: foi o CNADSI (Comitato Nazionale Associazione Difesa Scuola Italiana). Com sede em Milão, apartidário e apolítico, o referido movimento reúne professores e pais de todas as classes e graus que "tenham verdadeiramente apreço pela escola e pela cultura". Seu presidente é o Prof. Enzo Alfieri, catedrático de filosofia na Universidade de Pavia. A Profa. Rita Calderini é uma das principais colaboradoras do CNADSI, e há anos vem se especializando na denúncia da violência às escolas, promovida pela contestação comuno-progressista. Com base em publicações e boletins do CNADSI, tornou-se possível "Catolicismo" apresentar hoje a seus leitores alguns aspectos da fracassada experiência autogestionária, tema este praticamente inédito para a opinião pública brasileira.
Já em setembro de 1973, artigo da Profa. Rita Calderini denunciava "A legalização dos soviets escolares" no projeto em curso no legislativo ("La Voce dei CNADSI", Ago/Set., 1973).
Aprovada a lei, o Prof. Alfieri declarava, a 27 de outubro de 1974, no XXVI Congresso Nacional da entidade:
"O ministro responsável (melhor seria dizer irresponsável) definiu como 'uma revolução silenciosa' a gigantesca operação que se prepara. E ele crê ou diz crer que será silenciosa, quando já, em muitos liceus, assembleias tumultuosas, além do mais realizadas contra a vontade e sem permissão da direção, protestam porque não se concedeu o direito de voto para o conselho dos institutos aos rapazes menores de 16 anos".
Após uma assembleia estudantil, a antecâmara do gabinete do presidente do Instituto Pacinotti de Milão constitui um símbolo do movimento contestatário de 1977.
Prossegue o mencionado professor enumerando os organismos que uma simples escola deverá comportar: um conselho de classe, um colegiado dos professores, um comitê de colaboradores da direção, um comitê de avaliação, assembleia de classe dos pais etc.
O Prof. Alfieri cita a seguir o jornalista Indro Montanelli ("Oggi", 10-774): "Se contei bem, são ao todo 28 órgãos [em realidade são 29], no seio dos quais estão previstas 98 operações eleitorais: 18 no âmbito do instituto, 15 no distrital, 34 no provincial, 25 no nacional, e mais uma outra meia dúzia de que não se consegue estabelecer a exata localização". E o jornalista, perplexo, indaga "se nós, italianos, somos verdadeiramente os cidadãos de uma nação, ou antes os inquilinos de um manicômio que se crê uma nação".
"Imaginai uma escola reduzida a uma perpétua assembleia: de estudantes, de estudantes e professores, de professores e pais, de pais e estudantes, de todos os três com a direção, da direção com vários conselhos de disciplina, de conselho de disciplina com os professores e os pais... E as aulas, quem as dá? As tarefas escolares, quem as passa e as corrige?"
É o triunfo da sindicatocracia, acrescenta Montanelli, na qual os jovens, subtraídos do que os demagogos imbecis chamam de "terrorismo da autoridade", serão submetidos à ditadura da maioria.
O leitor pode vislumbrar facilmente a consequente politização de que foram palco as escolas através das contínuas assembleias, e a instrumentalização dos órgãos colegiais pelos partidos de esquerda (PCI-PSI), disciplinados e ativos, em face de professores, pais e alunos, em sua grande maioria desinteressados da participação oferecida, devido aos inúmeros problemas de ordem social e econômica que os sobrecarregam.
Por exemplo, em vários liceus de Milão, os estudantes progressistas constituíram as chamadas "Comissões Didáticas". Segundo o Prof. Alfieri, eram "grupos de estudantes arrogantes e presunçosos que entravam arbitrariamente nas salas de aula e submetiam os professores a uma espécie de processo público", pedindo satisfação sobre o que e como ensinavam.
Quanto à participação dos progenitores, as pesquisas indicavam que, de um total de 23 milhões de pais interessados, pouco mais de 5% teria tempo para dar conta de seus novos deveres. A realidade dos fatos veio a confirmar essa pesquisa.
E conclui o Prof. Alfieri: "Numa palavra, a característica da nova reforma escolar, desejada pelo populismo para-sindical, se reduz a isto: é uma ordenação que instrumentaliza o indivíduo, nega qualquer respeito à vida privada e à família, impõe uma enorme perda de tempo, custará rios de dinheiro" (CNADSI - "La Legge sullo stato giurídico e i decreti delegati", Rita Cal-derini, Giovani Volpe Editore, Roma, 1975).
A degradação do ensino e do ambiente nas escolas foram as consequências da febre autogestionária dos políticos italianos, em especial os democristãos, sempre prontos, por toda parte, a fazer generosas concessões que só favorecem o apetite da contestação comunista. A lei Malfatti esteve na origem da rebelião estudantil de 1977, que consistiu num paroxismo do caos, durante a efêmera experiência autogestionária radical dos liceus italianos.
Durante a rebelião estudantil ocorrida na Itália, em 1977, um comando de alunos de extrema esquerda, apoiado por organizações políticas de inspiração filo-chinesa, chegou a profanar crucifixos no liceu científico Vittorio Veneto" de Milão
Com efeito, menos de dois anos depois da reforma, em março de 1977, as escolas secundárias italianas, sobretudo as romanas, foram ocupadas por estudantes esquerdistas, sob o olhar complacente das autoridades governamentais.
Tal movimento, que constituiu na Itália, com as devidas adaptações, o que maio de 1968 foi para a França, visou entre outros objetivos: a refutação de qualquer tipo de cultura "escrita e consolidada"; destruição do Estado em sua forma institucional, tanto no referente ao governo quanto à oposição; boicote sistemático de qualquer forma de didática tradicional; autogestão e um "novo modelo de vida" ("La Scuola Agli Studenti", Cláudio Volpi e outros, Ed. Armando, Roma, 1978).
Sem líderes carismáticos nem programa definido, ao contrário da velha contestação estudantil, as minorias subversivas, na luta pela liquidação do "autoritarismo", reivindicavam: o aumento das 6 horas mensais de assembleias autogestionárias (Lei Malfatti) para 6 horas semanais; abertura da escola para o bairro e para os trabalhadores (em nome da igualdade entre o trabalho manual e intelectual); educação sexual; debates sobre as drogas e o aborto; avaliação de trabalhos sempre coletivos, evitando fazer emergir o instinto individualista; aceitar os professores como meros interlocutores qualificados ou como coordenadores ou animadores dos grupos de estudo etc.
No liceu romano "Cesare Augusto" foi criada uma comissão sobre a "questão católica", devido à presença atuante de "católicos de esquerda" no movimento de ocupação. Apareceu aí reivindicação ousada: a autogestão dos momentos de lazer dos estudantes (cfr. op. cit., p.132). Convém ressaltar que o "Projet Socialiste" elaborado pelo Partido Socialista Francês dois anos depois, incluirá a proposta de autogestão do lazer, com a criação do Ministério do Tempo Livre.