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| A IMPORTÂNCIA DO FATOR RELIGIOSO NOS RUMOS DE UM BLOCO-CHAVE DE PAÍSES: A AMÉRICA LATINA | (continuação)

"avançadíssimo", fortemente próclive ao comunismo, é essencialmente impulsionada pela esquerda católica. E por isto mesmo dependendo fundamentalmente da seguinte questão:

- Até que ponto a imensa maioria católica se deixará guiar neste rumo pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) (cfr. n°. IV, 4 abaixo)?

6. Brasil e Chile: diversidade de atitudes

No Chile, as linhas gerais do quadro têm sido bastante análogas às do Brasil. No entanto, de permeio com outros sérios elementos de diversificação que distinguem a imensa República atlântica da nação chilena, de tão extenso litoral no Pacifico, sobreleva notar uma diversidade fundamental.

O regime militar brasileiro evitou - até com pânico - qualquer atrito global com a CNBB, e se limitou às fricções que a imprudência deste ou daquele Bispo ou Sacerdote, individualmente considerado, tornava inevitáveis.

No Chile, o regime militar, mais clarividente, não tem recuado em enfrentar atritos globais com a Conferência Episcopal do Chile (CECH) e, de outro lado, a liberdade que dá à linha cultural e pacífica do comunismo chileno é menor. Isto tem cerceado em alguma medida a guerra psicológica revolucionária naquele pais, proporcionando ao regime militar condições para uma duração que, segundo parece no momento, pode ser longa. E criando condições para que em determinado momento uma reversão do país para o regime civil se faça em condições em que este possa defender-se por si mesmo, e de modo eficaz, contra o comunismo.

7. Também no Paraguai a colaboração do Estado com o IV e V Poderes se vai deteriorando

Do Paraguai, onde também tem vigência um regime militar, pouco tratam os meios de comunicação social. E, de minha parte, não estou de tal maneira informado da situação interna daquele país que me sinta animado a dizer algo sobre ele. Posso apenas afirmar que a colaboração do Estado com o IV e V Poderes se vem deteriorando gradualmente, o que talvez conduza a problemas análogos aos que se delinearam no Brasil e no Chile.

Mas o curso eventual dos fatos no Paraguai está profundamente condicionado ao estado de saúde do idoso Presidente da República, General Stroessner, cujo prestigio pessoal no pais é tão grande que constitui só por si um grave empecilho a todo surto oposicionista.

IV – O FUTURO - FATORES RELIGIOSOS

Os meios de comunicação social - dentre os quais se destaca a imprensa - constituem o IV Poder, o qual, juntamente com o V Poder (a Hierarquia eclesiástica), tem exercido uma influência marcante nos diversos países da América Latina.

DE POSSE DESSES dados, resta lançar agora um olhar interrogativo sobre o dia de hoje: que dia de amanhã nos prepara ele?

Naturalmente, conheço melhor os fatos que se passam em meu próprio país. Reporto-me, pois, especialmente a ele, no que passo a dizer. Mas conheço o suficiente da realidade sul-americana para afirmar que, em linhas gerais, o quadro é o mesmo para os demais países deste subcontinente.

Cumpre-me advertir preliminarmente que começarei a me referir a "politizado", usando o vocábulo em um sentido especial. Isto é, para designar a qualidade de quem está culturalmente habilitado a considerar o interesse coletivo, tanto em seu aspecto de conjunto como em seus fatores capitais; mais ainda, a observar as relações entre o bem comum e o bem individual, e a avaliar devidamente o primado comedido e harmonioso daquele sobre este.

Em rigor, a politização assim entendida pode concernir tanto a sociedade temporal (o Estado) quanto a sociedade espiritual (a Igreja). O indivíduo totalmente politizado será então o que possua a capacidade de conhecer e de ponderar adequadamente o bem comum de uma e outra sociedade.

Falarei também da "conscientização" no sentido de um estágio preliminar da politização. Conscientizado será o indivíduo que tomou "consciência" das suas necessidades e de seus direitos (reais ou fictícios) individuais, inclusive na medida em que estes existem também para multidões, e constituem assim problemas da polis. O indivíduo plenamente conscientizado é ipso facto politizado.

1. Católicos politizados: progressistas, conservadores e reacionários

Neste sentido, os católicos politizados formam dentro da Igreja uma minoria dividida. Uns se dizem progressistas. Para eles o progresso consiste numa caminhada da Igreja (e pari passu da sociedade temporal) rumo a uma cada vez mais acentuada igualdade. Mais especificamente na Igreja, entre Bispos, clérigos e leigos, e uma concomitante erosão do prestígio e dos poderes do Papado. Na esfera temporal, esses politizados tendem analogamente a uma sociedade cada vez mais igualitária, cujo termo final seria a autogestão integralmente horizontalizada e igualitária, preconizada por Marx como etapa sucessiva ao capitalismo de Estado.

Simetricamente há, nos meios católicos, os politizados que se afirmam conservadores, que em matéria espiritual desejam não ir além das reformas do Vaticano II. Na esfera temporal, é frequente que tendam para a conservação da sociedade atual, talvez parcamente reformada num ponto ou noutro.

Por fim, há os católicos reacionários, nostálgicos da situação religiosa tal qual esta se conservou até o Pontificado de Pio XII. Na esfera temporal, não é raro que desejem a abolição de socializações e de leis igualitárias promulgadas a partir dos anos quarenta até agora.

2. Distribuição desigual entre progressistas, conservadores e reacionários, no Clero e no laicato

O grosso do Episcopado, do Clero e dos Religiosos se divide, aliás muito desigualmente, nessas três correntes. Isto é, os progressistas são uma minoria decidida e ativa, os conservadores uma maioria indecisa e indolente, e os reacionários quase não os há.

No laicato, entretanto, a situação é sensivelmente diversa.

Com efeito, os progressistas leigos constituem uma minoria proporcionalmente muito menor do que no Clero. E seus componentes são menos resolutos.

Pelo contrário, os conservadores são muito mais numerosos, e ainda mais irresolutos no laicato. E os reacionários algum tanto mais numerosos, e sobretudo muito mais decididos.

Os conservadores do Clero e do laicato, pacatos por índole e quase por definição, se manifestam pouco. Seu peso, aliás principalmente estático, é considerável. Progressistas e reacionários polemizam bastante entre si. Move-os muito menos a esperança de conquistar adeptos no campo oposto, do que de atrair, pelo ruído da polêmica, a atenção e a simpatia de novos adeptos nesta verdadeira "terra-de-ninguém" que é o setor conservador.

Este último é constituído, na sua forte maioria, de pessoas escassamente politizadas, quando não despolitizadas de todo.

A posição delas é muito menos uma convicção raciocinada do que uma tradição, um hábito ao qual aderem do fundo da alma.

3. Peso do fator religioso na determinação dos rumos da América do Sul

Por isto mesmo, as minorias progressista e reacionária vão ganhando gradualmente terreno na maioria conservadora. Qual deles ganhará a luta? As potências, os meios de ação e as táticas de uns e de outros são tão desiguais, que a luta entre uns e outros lembra algum tanto a do gladiador com tridente e escudo contra o gladiador com elmo, couraça, escudo e espada curta.

De qualquer forma, o êxito final será de quem tenha conseguido incorporar a si a parcela mais influente, mais dinâmica e maior de conservadores.

É segundo estes dados poucos claros que se podem prever, passo a passo, os rumos possíveis da opinião católica no Brasil e, mutatis mutandis, nos demais países da América do Sul.

Rumos da opinião católica? Sim. Mas como que do Brasil (ou de cada uma das outras nações) por inteiro. Pois, no subcontinente, a maioria católica se identifica (cfr. n°. 1, 3) quase completamente com a Nação.

O futuro da América do Sul se está decidindo, pois, no momento atual, em função do debate dentro da Igreja. Se a maioria católica pender em nome da Fé para o igualitarismo teológico e socioeconômico, a América do Sul será comunista. Se ela resistir a tal igualitarismo em nome da Fé, ela será contrária ao comunismo.

A América Latina pode ser comparada - do ponto de vista norte-americano - a um imenso pêndulo, de importância ponderável, que oscila entre Washington e Moscou.

Faço notar de passagem que, no primeiro caso, ela será anti-norte-americana, e suas doze nações serão tão inteiramente títeres de Moscou quanto a Tchecoslováquia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária, a Cuba de Fidel ou a Nicarágua de Ortega, para citar apenas algumas das infelizes nações sob o jugo comunista.

Assim, a América do Sul pode ser comparada - do ponto de vista norte-americano - a um gigantesco pêndulo de 260 milhões de habitantes, com 17,8 milhões de quilômetros quadrados, e com potencialidades econômicas e estratégicas incalculáveis, que oscila entre Moscou e Washington.

Tal oscilação, de alcance internacional, político e socioeconômico imenso, não determinará seu ponto estático pela mera influência do fator religioso (cfr. no. iii, 2), convém repetir.

Mas, segundo me parece, esse fator terá, no processo de opção que essa oscilação simboliza, o papel chave que neste trabalho estou me empenhando em descrever concatenadamente.

4. As duas figuras da Igreja entre as quais o católico conservador é chamado a optar

Cerimônia religiosa realizada na igreja de Nossa Senhora da Penha, São Paulo. Os progressistas tendem a dessacralizar os atos religiosos, dando a eles, como se observa na mencionada cerimônia, uma conotação de reivindicação social.

Em que termos lógicos e psicológicos se põe, então, para o católico conservador, a opção que deve exercer?

Por sua formação religiosa, e especialmente pelo matiz ibérico desta (cfr. n°. 1, 3), ele não procurará resolver o problema segundo suas meras preferências pessoais. Mas ele desejará saber, acima de tudo, com quem está a Hierarquia da Igreja.

Abaixo, na cerimônia de sagração de três Bispos por São Pio X, na Capela Sistina, transparece o ambiente sacral da Liturgia católica.

Por isto, no seu interior, ele terá que optar entre duas figuras da Igreja:

a) a que ele vê na continuidade majestosa e rutilante do ensino socioeconômico da Igreja desde São Pedro a Pio XII, e que o convidará a interpretar os ensinamentos e a conduta do Vaticano e do Concilio segundo esses ensinamentos;

b) e, de outro lado, a figura "rejuvenescida", renovada ou inovada, mais do futuro do que do presente, que lhe é descrita pelos que procuram interpretar tudo quanto a Igreja vem ensinando e fazendo, a partir de João XXIII (e inclusive o Concílio), segundo o sentido progressista, e até mesmo interpretando, neste sentido, os ensinamentos da Igreja pré-medieval.

Essa última concepção apresenta os períodos medieval e tridentino como religiosamente falhos e decadentes, o que horroriza os conservadores.

Como também horrorizam os conservadores algumas críticas de certos reacionários

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