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| FESTA DE CORPUS CHRISTI E A EUCARISTIA | (continuação)

que a Santa Igreja e seus santos sempre tiveram para levar os fiéis à devoção ao Santíssimo Sacramento. Pode-se mesmo dizer que essa comemoração constitui o ponto culminante da devoção eucarística pregada pela Santa Igreja.

a proclamação sempre renovada do dogma da Presença Real de Nosso Senhor Jesus Cristo na Eucaristia.

É ainda São Pedro Julião Eymard que observa: "Vede como o povo, nos países onde Deus goza de liberdade, proclama sua presença e prostra-se à sua passagem, enquanto os próprios ímpios, temerosos, inclinam-se".

O significado profundo da Eucaristia

O culto a Nosso Senhor Jesus Cristo Sacramentado e a devoção á Santíssima Virgem constituem características marcantes da Religião Católica. Por este motivo, os santos sempre se empenharam na sua difusão. Santo Afonso Maria de Ligório, Doutor da Igreja e fervoroso devoto de Nossa Senhora, escreveu essas admiráveis palavras a respeito da Eucaristia:

"Nosso bom Salvador, antes de deixar a terra, depois de ter cumprido pela Sua morte a obra de nossa Redenção, não quis deixar-nos sós neste vale de lágrimas. Nenhuma língua - dizia São Pedro de Alcântara - pode exprimir a grandeza do amor que Jesus dedica a todas as almas: no fim de sua vida, temendo que seu afastamento no-lo fizesse esquecer, este terno Esposo de nossas almas nos deixou por lembrança o Santíssimo Sacramento, onde reside em pessoa, porque não quis que houvesse entre Ele e nós, para conservar Sua memória sempre viva, outro penhor senão Ele mesmo" ("As mais belas orações de Santo Afonso", Pe. Saint-Omer, C.SS.R, Ed. Vozes, Petrópolis, 1961, pp. 408-409).


| CERIMÔNIA DE CORPUS CHRISTI MARCADA PELO ESPÍRITO DE AGITAÇÃO SOCIAL | (continuação)

impressão de que elas não pertenciam às CEBs. Se algumas faziam parte desses organismos, certamente não estavam ainda compenetradas do espírito de luta de classes que eles difundem.

Nesta procissão de Corpus Christi, ocorrida em Veneza no ano de 1953, pode-se observar a sacralidade que deve impregnar as cerimônias da Igreja.

Tal público acompanhava com piedade todos os momentos do ofício religioso (Missa, procissão e Bênção do Santíssimo) que apresentassem algo de solene ou com algum aspecto de sacralidade, desinteressando-se das aclamações revolucionárias (linha Teologia da Libertação) que eram propostas durante a cerimônia. Estas eram acompanhadas com entusiasmo somente pela claque pequena e bem organizada das CEBs.

Os encenadores, utilizando-se da Religião, não perderam nenhuma oportunidade de tentar a participação das pessoas sinceramente piedosas que lá se encontravam, no espírito de revolta disseminado durante a cerimônia.

As CEBs tentam "conscientizar" o público

Visão panorâmica da procissão de Corpus Christi em São Paulo: as diversas faixas parecem indicar uma passeata reivindicatória de alguma classe profissional ou de desempregados...

Durante a Missa, concelebrada na Praça da República por D. Celso Queiroz, Bispo-auxiliar (D. Paulo Evaristo Arns, o Arcebispo Metropolitano, não compareceu), outros Bispos-auxiliares; e mais 200 sacerdotes, os membros das CEBs fizeram leituras "conscientizadoras".

Um membro da Pastoral da Juventude da Arquidiocese leu uma "prece":

"Pai, sofremos o peso do desemprego, do subemprego, da exploração, que logo cedo cai sobre nós. Nos campos e nas cidades somos submetidos a um regime [do capitalismo] que faz do nosso trabalho uma mercadoria. .... Temos fome de terra, de casa para morar. Temos fome de justiça".

E terminou sua "oração" dizendo: "Temos fome de pão, de repartição, de igualdade"

Um participante da Pastoral Operária rezou a seguir, com nítido sotaque italiano, outra "prece" na qual se percebe o convite para o engajamento nos sindicatos e na agitação, bem como a solidariedade à última greve dos metalúrgicos:

"Nós, trabalhadores, pedimos perdão, Senhor, pois, diante da perspectiva do desemprego, ficamos com medo. Com medo compreensível, mas que muitas vezes nos paralisa. .... E assim, aceitamos qualquer imposição: condições de trabalho sub-humanas, salário de fome, não participamos da organização das entidades representativas de nossa classe. E muitas propostas - como por exemplo - das 40 horas semanais [a principal reivindicação do sindicato dos metalúrgicos na última greve da categoria] - que poderiam contribuir contra o desemprego, nos assustam".

Diversos representantes das CEBs, em outra parte da Missa, também proferiram "orações":

As CEBs do bairro de Santo Amaro pediram "que o povo de Deus, em sua longa caminhada, permaneça unido, lutando contra a fome e a carestia".

As CEBs de Itapecerica da Serra pediram "forças "para "lutar organizados por transporte melhor e mais barato, pelo passe-desemprego".

E, entre outras, as CEBs do bairro São Miguel Paulista, além de "orar" contra "a fome e a violência", renderam "ação de graças" pela organização comunitária (de fundo socialista) que vai surgindo naquela região: "Mas veja a resistência e a teimosia do povo que se une, que se organiza em mutirões: grupos de ruas, grupos de mulheres; hortas, oficinas e conselhos comunitários".

Sermão inspirado na Teologia da Libertação

D. Celso Queiroz inspirou-se certamente na Teologia da Libertação para proferir seu sermão, em que o tema religioso serviu para encobrir ou suavizar reivindicações de caráter político-social.

O Prelado assim definiu o Sacramento do Altar:

"A Eucaristia é na Igreja o grande sinal. Por isso mesmo ela é denúncia constante de tudo aquilo que na Igreja não é ainda uma união, oferecida a ser fraternidade. .... A Eucaristia é pão. Construção do 'reino' [o da Teologia da Libertação?] é sobretudo pão para quem tem fome".

É digno de nota que tal conceito de Eucaristia omite aquilo que é mais básico no referido Sacramento: ela é o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, sob as espécies de pão e vinho. É, por excelência, o Sacramento do Amor, pois, através dele, o Verbo Encarnado manifesta toda Sua dileção pela humanidade. Valendo-se desse augusto Sacramento, o Redentor quis permanecer na Terra junto aos homens, depois de sua gloriosa Ascensão.

Assim, a Eucaristia não é "sobretudo pão para quem tem fome", especialmente se esta última palavra for tomada em sentido material. E caso se entenda o vocábulo numa acepção espiritual, é, pelo menos, forçado e impróprio dizer que o Sacramento é sobretudo pão para quem tem fome de espírito, de justiça. Pois antes de ser um amparo para os que são de alguma forma injustiçados, a Eucaristia é infinitamente mais importante, é transcendental: a manifestação sublime do amor de Deus humanado em relação ao homem, que foi redimido por Seu Sangue!

O Prelado lançou também suas "maldições" e externou suas reivindicações, inclusive a da Reforma Agrária:

"Maldito o mundo da fome, da terra que não é de todos. Maldito o mundo do desemprego. Suprimir a maldição do mundo, eis o objetivo de nossa caminhada. Fazer pão para todos; terra para quem planta, terra para quem mora, trabalho para quem quer trabalhar".

Se a terra que não é de todos é amaldiçoada, isto leva a supor que, para o Bispo-auxiliar de São Paulo, só não é maldita a terra ocupada segundo os moldes de um sistema comunitário ou coletivista. E que a utilização da terra de acordo com o princípio da propriedade privada - ponto fundamental da doutrina social da Igreja - ocorreria apenas num mundo maldito...

Ao descrever a linha pastoral da Arquidiocese de São Paulo, D. Celso Queiroz pareceu solidarizar-se com as reivindicações dos grevistas e dos sem-terra:

"Nossa igreja de São Paulo reafirma nessa Eucaristia o seu compromisso. .... É uma igreja que na sua caminhada ajuda a luta dos irmãos favelados sem-terra. .... É uma igreja que na sua caminhada se solidariza com a luta dos irmãos operários por melhores salários, pela luta contra o desemprego".

Depois da bênção, oração pela Reforma Agrária

Durante a bênção do Santíssimo Sacramento na Praça da Sé, podia-se notar uma faixa pouco relacionada com o verdadeiro espírito eucarístico e que procurava instilar a luta de classes.

Após a Missa, realizou-se a procissão de Corpus Christi rumo à Praça da Sé. Durante o cortejo, os membros das CEBs exibiam faixas com lemas pouco relacionados com o verdadeiro espírito eucarístico: "Terra é vida: teremos de lutar pela nossa terra"; "O capitalismo mata pela fome a vida dada por Deus"; "D. Paulo, profeta da justiça e da esperança"; "Pão para quem tem fome" (lema da Campanha da Fraternidade organizada pela CNBB, e também do próximo Congresso Eucarístico Nacional, a ser realizado em Aparecida).

Depois da Bênção do Santíssimo coube a D. Angélico Sândalo Bernardino, Bispo-auxiliar e presidente da Comissão Pastoral Operária da Arquidiocese, dirigir uma "prece" a Deus. Composta de improviso, reflete bem o espírito que norteou essa festividade de Corpus Christi:

"Nosso Deus e Senhor: vosso povo reunido na praça vos promete, nesta hora, caminhar unido na esperança, na luta, nos grupos de rua, nas comunidades de base, na pastoral do menor, nos direitos humanos, na catequese, na pastoral operária, em toda nossa vida, lutando com alegria e esperança para que todos tenhamos pão, para que haja reforma agrária, para que haja justiça e trabalho para todos".

Talvez o leitor tenha considerado cansativa a pormenorizada descrição acima. Entretanto, depois de ter conhecido o verdadeiro significado da comemoração da festa de Corpus Christi, através das palavras de fogo de São Pedro Julião Eymard, e de poder aquilatar a devoção ardente ao Santíssimo Sacramento, que abrasava a alma de Santo Afonso Maria de Ligório - piedade transbordante do verdadeiro senso católico - entenderá por que nos pareceu oportuno tornar patente qual o espírito de agitação social difundido em certos ambientes católicos nos dias de hoje.


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