Dois "Brasis" se defrontaram na histórica Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, no dia 12 de março último. O primeiro "Brasil" - o autêntico, o da Fé católica, da tradição, da dignidade, da compostura - era representado pelo Príncipe D. Bertrand de Orleans e Bragança, bisneto da princesa Isabel, a Redentora.
O segundo "Brasil" - na realidade um anti-Brasil, porque inteiramente oposto à vocação providencial de nossa pátria e afeito ao desregramento dos costumes, à vulgaridade soez, ao achincalhe em sua expressão mais repudiável - era representado por um grupo heterogêneo composto por meia dúzia de figuras circenses, extra-Faculdade, acrescido de alguns alunos desta.
Esse núcleo, sustentado por pequena claque, logo no início da exposição aproximou-se de D. Bertrand, e um de seus figurantes, trajando-se com paletó, gravata e de cuecas, declarou-lhe: "Vamos entregar ao candidato a rei o abacaxi". E, ato contínuo, pôs sobre a mesa de conferências um abacaxi, acompanhado da bandeira nacional.
O Príncipe manteve-se tranquilo e aguardou que a bandeja fosse colocada sobra a mesa. Levantou-se depois com dignidade e redarguiu: "Embora o Brasil esteja passando por momentos difíceis de sua História, eu jamais o compararia a um abacaxi. Tal comparação é uma atitude antipatriótica, um acinte contra nossa pátria". Essas palavras foram acolhidas com palmas por parte do auditório.
Tais aplausos, bem como o desagrado manifestado pela generalidade dos assistentes quando o mesmo grupelho irrompeu uma segunda vez na sala de conferências, foram ignorados por certos órgãos de imprensa.
Pelo noticiário desses jornais - muito mais empenhado em divulgar o desalinhavado e estridente das palhaçadas do que a serena, vivaz e lúcida reação do Príncipe - o leitor é levado a imaginar que a plateia aplaudiu às gargalhadas os figurantes burlescamente fantasiados de nobres, valetes e mendigos. Análoga impressão causa o título nada veraz de um noticiário: "D. Bertrand cai em cilada real". Seguido da afirmação ainda mais inverídica de que os alunos de Direito impediram-no de exaltar a monarquia.
Resguardando, a justo título, o renome do Centro Acadêmico XI de Agosto, desdourado pelas intenções evidentemente agressivas da chanchada, o próprio presidente desse grêmio levantou-se e protestou contra o grupelho contestatário, declarando que as pessoas convidadas para falar tinham o direito de se expressar livremente. E D. Bertrand de Orleans e Bragança, que conserva nostálgica recordação do tempo em que cursou a histórica Faculdade, externou, em seguida, sua decepção e perplexidade diante da falta de liberdade reinante naquela instituição de ensino. Acrescentou que, na época em que estudou na mesma Faculdade, observava-se muito mais ordem e respeito.
Certo noticiário jornalístico apresentou o Príncipe como um ingênuo, que caiu numa armadilha, ficando inteiramente desconcertado ante uma plateia maciçamente hostil.
No entanto, contrariando essa tendenciosa versão dos acontecimentos, constatei, mesmo antes da conferência, a simpatia e o respeito com que D. Bertrand foi recebido no pátio do edifício, sob as famosas Arcadas, por considerável número de estudantes que o rodearam, pedindo-lhe autógrafos e colocando-se a seu lado para serem fotografados.
Convém ressaltar que, afastada pela segunda vez a coorte de baderneiros, o Príncipe prosseguiu normalmente sua exposição diante de um auditório atento e tranquilo. Na mesma atmosfera, respondeu de modo cordial a múltiplas perguntas, algumas delas despertadas certamente pela simpatia e pelo interesse com que vários assistentes haviam acompanhado a exposição atraente e cristalina do seu pensamento. E também pela destreza com que havia frustrado as inúteis investidas da baderna.
Tais disposições da maioria dos ouvintes se fizeram sentir mediante a salva de palmas que se seguiu a suas últimas palavras.
Terminada a conferência, considerável número de alunos acercou-se de D. Bertrand, a fim de manifestar-lhe tanto seu repúdio àquelas insípidas burlas, quanto seu apreço pelo orador. Vários deles pediram-lhe autógrafos, enquanto outros tiraram fotos e filmaram o Príncipe Imperial do Brasil.
Ouvi de um desses universitários significativa observação, que merece ser reproduzida aqui: "D. Bertrand foi a única pessoa que se mostrou por inteiro neste ambiente. Ele não teve medo de dizer o que era e o que pensava. Outros oradores, que falaram na Faculdade, moldaram-se ao auditório para obter sua simpatia. Fiquei impressionado com a atitude de D. Bertrand, com sua firmeza, sua clareza e sua integridade".
Bem analisadas as coisas, valeu largamente a pena D. Bertrand ter aceito o convite para fazer uma palestra no Centro Acadêmico XI de Agosto.
Houve uma modificação bastante significativa a respeito da monarquia, e, portanto, de D. Bertrand, com relação à atmosfera reinante na década de 60, quando ele colou grau na mesma Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Se, naquela época maciçamente republicana, todos o chamavam "o Príncipe", hoje verificou-se uma transformação, pela qual houve quem tentasse praticar contra ele uma irreverência então impensável; mas, de outro lado, surgiram também não poucos partidários da monarquia, que, na década de 60, inexistiam de todo.
A conferência na Faculdade do Largo São Francisco atestou que está nascendo um impulso rumo à monarquia em ritmo ascensional, e que o movimento no sentido da república, majoritário, está decaindo.
Ora, a tendência monárquica cm ascensão representa o futuro, pois o que está crescendo é mais próprio a significar o futuro. Pelo contrário, o que vai minguando - como sucede com a tendência republicana - ruma para o desaparecimento.
O impulso monárquico é representado por gente decidida: certos alunos, após a conferência, pediram a D. Bertrand para fundar um centro monarquista na Faculdade. Essa tendência mostra um crescimento inesperado, absolutamente impensável na época em que "o Príncipe" era aluno da Faculdade.
Sua conferência e a atitude digna que assumiu em face da troupe de desordeiros à Sorbonne, consolidou, naquele ambiente universitário, os monarquistas declarados e atraiu outros que não se manifestavam até aquela data. E despertou ademais a solidariedade de alunos sem posição política definida, que admiraram a integridade do Príncipe - universitários que formam a corrente dos nostálgicos da compostura, rejeitando os aspectos de desagregação e decomposição cada vez mais frequentes no mundo contemporâneo.