| ESPIRITUALIDADE | (continuação)

da guilhotina, os revolucionários ainda temem que as palavras do soberano comovam a multidão e todo o processo revolucionário retroceda!

* * *

Os algozes estendem o Rei sobre a plataforma da guilhotina. A lâmina cai pesadamente sobre a nuca do Rei, e sua cabeça rola pelo chão.

O infame carrasco toma-a enquanto ainda gotejava sangue e dá a volta por todo o patíbulo, para que o povo inteiro tome conhecimento de que o Rei estava decapitado. Para Luís XVI, a luz do sol não brilhará mais neste mundo, a não ser no dia em que todos ressuscitarmos.

Foi no momento em que o Rei estava sendo estendido para receber o golpe fatal que, segundo algumas narrações, o Abbé Edgeworth de Firmont teria exclamado as sublimes palavras: “Filho de São Luís, subi ao Céu!”

Várias testemunhas afirmam a autenticidade dessa apóstrofe. O sacerdote irlandês, entretanto, sempre negou tê-la pronunciado. De onde se pode pensar que, ou o Abbé de Firmont fez essa exclamação movido por uma inspiração divina, e depois dela se esqueceu (fato facilmente compreensível, na emoção em que se encontrava), ou a frase foi criada por outrem a fim de exprimir –– aliás de modo muito feliz –– a realidade profunda desse instante histórico **.

Do Céu, Luís XVI contempla a França de hoje

Quem pode de fato duvidar de que uma morte consumada nessas condições tenha sido seguida da abertura de par em par, das portas celestes para a alma deste comovedor filho de São Luís?

Lá do alto do Céu, ele contempla –– com essa benignidade que deveria ter sido tantas vezes completada pela força –– a França de hoje. E posto que quem está no Céu não sofre o tormento do arrependimento, pois já está perdoado de todos os seus pecados e não tem mais qualquer perdão a pedir, ele olha para a França, essa querida França, essa grande França, essa França que Nossa Senhora não cessa de amar e de favorecer, e que, não obstante, como a maior parte das nações de nossos dias, não cessa de A ofender e de A renegar. Com certeza a Virgem Mãe reza por ela, para que sacuda vigorosa e vitoriosamente o jugo da Revolução.

* * *

Entrementes, o Abbé Edgeworth de Firmont foi se afastando aos poucos do patíbulo, onde sua presença não tinha mais razão de ser. Chegado junto à multidão, temia que esta o estraçalhasse. Mas, por um mistério sublime, o sacerdote escapou ileso e sumiu no meio da multidão, sem que ninguém o procurasse agarrar.

No Templo, os tambores da guarda rufam. Sob as janelas do donjon as sentinelas gritam: “Viva a República!”

Maria Antonieta compreende tudo...

Sente-se esmagada pela dor. O jovem príncipe desata em lágrimas. Madame Royale solta gritos lancinantes. Maria Antonieta, o corpo convulsionado pelos soluços, se deixa abater sobre o leito.

De repente, ela se levanta, ajoelha-se diante de seu filho, e o saúda com o título de Rei.

Luís XVII, sucessor de Luís XVI, sumiu misteriosamente da prisão do Templo, ou foi morto por seus verdugos: a questão é discutida até hoje. A rainha Maria Antonieta será condenada à morte dentro em breve. Madame Elisabeth, irmã do Rei, foi igualmente condenada.

Madame Royale, filha dos infortunados monarcas, após três anos de cativeiro solitário na Torre do Templo, foi por fim trocada por revolucionários caídos em poder dos austríacos.

O Abbé de Firmont, com a cabeça posta. a prêmio, permaneceu foragido, escapando de um lugar para outro dentro da França, até que tomou conhecimento da execução de Madame Elisabeth, a quem pretendia servir, se ainda lhe fosse possível. Agora, a fidelidade ao seu monarca lhe pedia algo mais: dirigir-se ao exílio, procurar os irmãos de Luís XVI, o Conde de Provence, futuro Luís XVIII, e o Conde de Artois, futuro Carlos X, e pôr-se a serviço deles. Tendo acompanhado a família real por todos os caminhos do exílio, entregou a alma a Deus em 1807, com a idade de 62 anos.

Símbolos que não morrem

Terminou esta história? Se há uma história que não terminou foi esta. Porque a memória de Luís XVI, como a de Maria Antonieta, continuam vivas. São símbolos que não morrem na recordação nem no coração de muitos franceses. Quer por serem amados como merecem, quer por serem odiados como não merecem. Mas, de algum modo, simbolizam a luta entre o Bem e o Mal, a Revolução e a Contra-Revolução. Eles serão sempre lembrados, com profundo respeito e profunda dor, por todos aqueles que têm uma fagulha de Contra-Revolução na alma. E serão vistos com extremo ódio por todos aqueles que, portadores do espírito de Satanás, e odiando todas as desigualdades, odeiam a esse Rei, cujo grande defeito, entretanto, foi o excesso de mansidão (isto se pode dizer também de Maria Antonieta).

Mais uma vez devemos nos voltar para eles e pedir que nos obtenham de Deus força, força, força! Força a favor da Justiça, força a favor do Bem, força a favor da Contra-Revolução. Força a favor vosso, Maria Santíssima, nossa Mãe, a favor de vosso Divino Filho, nosso Salvador e Redentor. Força, enfim, a favor da Santa Igreja e da Civilização Cristã.

Tornai-nos fortes para que, amando-Vos com o amor dos fortes, saibamos servir-Vos com a dedicação e a eficácia dos fortes, a fim de que chegue o quanto antes vosso Reino sobre a terra, ó Maria, ó Jesus!

NOTAS: * Cfr. G. Lenotre e André Castelot, Les grandes heures de Ia Revólution Française –– La mort du Roi, p. 295. ** Cfr. Nesta H. Webster, Louis XVI and Marie Antoinett During the Revolution, Constable and Company Ltd, London, p. 524; Weiss, Historia Universal, Tipografia. La Educación, Barcelona, 1931, vol XVII, p. 98.
| SEMANA SANTA |

A Cerimônia do Lavapés na Corte de Afonso XIII, Rei da Espanha

Desde 1242, no reinado de Fernando III, o Santo, até a abdicação de Afonso XIII, em 1931, realizou-se na corte espanhola, em cada Quinta-Feira Santa, tocante cerimônia em que o Rei e a Rainha, imitando o Divino Redentor, lavavam os pés de mendigos e mendigas. Reproduzimos abaixo os excertos principais da descrição de uma das últimas dessas admiráveis celebrações.

De todas as cerimônias da Semana Santa na Corte espanhola, a mais emocionante e de significado mais profundo é o Lavapés de Quinta-Feira Santa. Pratica-se hoje, como se vinha fazendo desde 1242, no reinado de Fernando, o Santo. Todos os anos, o belo gesto é desempenhado pelo Rei e a Rainha genuflexos. A cerimônia se dá na magnífica sala de pedra chamada Salão das Colunas, disposta especialmente para o ato.

Ao longo de um dos lados do salão acham-se dispostas três tribunas: a do centro, para a Família Real; à sua direita, para o Corpo Diplomático; e à esquerda, para o Presidente do Conselho, o Governo e outros. No lado oposto, está o espaço reservado para o público, onde se apinham pessoas de todas as classes. O centro do grande salão permanece completamente vazio e coberto com um magnífico tapete feito na Real Fábrica de Tapetes, de Madrid.

Nobres e mendigos tomam seus lugares

Pouco depois, vistosos lacaios aparecem conduzindo, um a um, doze anciãos e doze anciãs, colocando-os cuidadosamente nos assentos, dispostos em cada lado do altar. É necessário ter cuidado, porque vários são cegos. As mulheres, vestidas de negro, usam mantilhas da mesma cor. Os homens se revestem de longa capa negra e levam chapéus de copa, de antigo uso. Tanto as mulheres como os homens calçam grossos sapatos e meias de lã cinza.

A Família Real espanhola, em 1908. De pé, da esquerda para a direita. Infanta Luísa, Rei Afonso XIII, Princesa Maria del Pilar da Baviera, autora do presente texto; sentada, terceira da esquerda para a direita: Rainha Victoria Eugênia. Embaixo: Rei Afonso XIII (2º da esquerda para a direita); na parte superior da foto: ao centro, Rainha Victoria Eugênia, tendo à sua esquerda o Cardeal de Burgos. Cerimônia da trasladação dos restos mortais de El Cid Campeador.

Como sempre, há alguém que conhece todo mundo e se empenha em nomear as várias pessoas importantes conforme entrem. Entre estas, o Núncio de Sua Santidade, Monsenhor Federico Tedeschini, altivo com o grande título de Arcebispo de Lepanto. O conde de Welczeck, cortês e digno, representa a Alemanha na magnífica embaixada situada no Paseo de la Castellana. Aquele senhor alto e distinto é Sir George Grahame, de aparência incrivelmente jovem para ser embaixador extraordinário de Sua Majestade britânica e ministro plenipotenciário.

A tribuna governamental, à esquerda da régia, está completa também. Ali, o Presidente do Conselho, Almirante Aznar, o Marquês de Hoyos, Ministro e Prefeito de Madrid...

Foram acesas as velas do altar. Os vinte e quatro anciãos vestidos de preto permanecem sentados, impassíveis. Produz-se um ligeiro movimento, todos se levantam e a Família Real entra. Saudando, primeiro os diplomatas e depois a tribuna governamental, tomam seus assentos.

Desfilam os Grandes de Espanha [a mais antiga nobreza do país] e ocupam seus postos em fileira, os cavalheiros à esquerda e as senhoras à direita, formando assim uma longa avenida desde a entrada até o altar. Chega o clero, com o Bispo de Sião, o qual ocupa o posto central nas fileiras sacras. Os últimos são o Rei e a Rainha.

Neste momento o espetáculo é grandioso. As damas mais nobres de Espanha, com vestidos de Corte de longas caudas, diademas e condecorações; do lado oposto, os Grandes, com toda sorte

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