| MATÉRIA DE CAPA | (continuação)

“Quando ainda muito jovem, considerei enlevado as ruínas da Cristandade. A elas entreguei o meu coração; voltei as costas ao meu futuro, e fiz daquele passado carregado de bênçãos, o meu Porvir...”

Este mesmo objetivo, delineado por Plinio Corrêa de Oliveira na adolescência, podemos constatar ao longo de toda sua vida. Exemplo eloquente disso foi seu último livro, redigido dois anos antes de seu falecimento, ocorrido em 3 de outubro de 1995.

Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e Nobreza romana, é o título dessa obra toda voltada para reavivar os restos das “ruínas da Cristandade”, às quais o autor “entregou seu coração” a fim de reacender as brasas de um fogo que se extinguia de um “passado carregado de bênçãos”. Com esse revigoramento — de modo particular despertando o amor pelas belas tradições que estavam sendo postas de lado, e mesmo soterradas —, ele ansiava restaurar a “Civilização Cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal”, como ele mesmo a definiu.1

Ou seja, uma civilização sacralizada, diametralmente oposta à “civilização” tribalista, fundamentalmente igualitária, vulgar e miserabilista, tão sonhada pela corrente comuno-progressista. Essa corrente, ligada umbilicalmente à Teologia da Libertação, é a mesma que hoje impõe os rumos ao Sínodo da Sinodalidade.

Ela prega a “opção preferencial pelos pobres”, segundo a qual a Igreja deve estar ao lado do mito demagógico das “massas necessitadas”, do “povo oprimido” e “morrendo de fome”, desprezando as outras classes sociais.

O livro rebate esse sofisma e comprova com uma lógica irretorquível que a Santa Igreja Católica sempre condenou a luta de classes e pregou a harmonia entre elas; sempre procurou fazer todo o bem aos mais necessitados sem abandonar as classes mais elevadas; pelo contrário, fez com estas últimas um apostolado que redunda em “grande vantagem para a concórdia social”.

Missão de frutificar uma ordem cristã na vida pública

O Prof. Plinio discorre a respeito da importância da supracitada “opção preferencial” e da excepcional missão da nobreza e das autênticas elites tradicionais como um enorme favor para todo o conjunto da sociedade.2

“Muito se fala hoje do apostolado em benefício das massas e, como justo corolário, de uma ação preferencial em favor das suas necessidades materiais. Mas importa não ser unilateral em tal matéria, e jamais perder de vista a alta importância do apostolado sobre as elites e, através destas, sobre todo o corpo social; bem como, de modo correlato, de uma opção apostólica preferencial pelos nobres. De tal sorte que, com grande vantagem para a concórdia social, se complementem harmonicamente uma opção preferencial pelos pobres e uma opção preferencial pelos nobres, como por todas as elites análogas”.3

Assim se exprime o Papa Pio XII:

“Em si não é difícil manter no povo a Religião e os bons costumes, quando as classes altas o precedem com o seu bom exemplo e criam condições públicas que não tornem desmedidamente pesada a formação da vida cristã, mas a façam imitável e doce. Porventura não é essa a vossa função, diletos filhos e filhas, que pela nobreza das vossas famílias e pelos cargos que não raras vezes ocupais, pertenceis às classes dirigentes?

“A grande missão que vos toca, e convosco a não poucos outros — ou seja, de começar pela reforma ou aperfeiçoamento da vida particular, em vós mesmos e na vossa casa, e de vos esforçardes, cada um no seu lugar e do seu lado, por fazer surgir uma ordem cristã na vida pública — não permite dilação ou demora.

“Missão esta nobilíssima e rica de promessas num momento em que, como reação contra o materialismo devastador e aviltante, vem-se revelando nas massas uma nova sede de valores espirituais e, contra a incredulidade, uma pronunciadíssima receptividade nas almas para as coisas religiosas. Manifestações que permitem esperar ter sido afinal superado definitivamente o ponto mais profundo da decadência espiritual.

“Cabe-vos, pois, com a luz e a atração do bom exemplo, não menos do que com as obras, elevando-vos acima de qualquer mediocridade, a glória de colaborar para que aquelas iniciativas e aspirações de bem religioso e social sejam conduzidas a feliz cumprimento.”4

Necessidade de beneficiar o operariado, mas também as elites

Já no primeiro capítulo do livro, o autor pondera sobre a necessidade de que as ações em benefício da classe operária se conjuguem com uma simétrica atuação a favor das elites. Ele afirma: “Na nossa época, na qual tão necessária se tornou a opção preferencial pelos pobres, também se faz indispensável uma opção preferencial pelos nobres, desde que incluídas nesta expressão também outras elites tradicionais expostas ao risco de desaparecimento e dignas de apoio.”5

Afirmação ratificada por este ensinamento de João Paulo II: “A Igreja faz sua a opção preferencial pelos pobres. Uma opção preferencial, note-se, não, portanto, uma opção exclusiva ou excludente, porque a mensagem da salvação é destinada a todos.”6

Conspiração para desdourar a missão da nobreza

Se a ‘pandemia’ de espírito igualitário espalhada pelas três grandes Revoluções — a Protestante (1517), a Francesa (1789) e a Comunista (1917) — foi responsável pela ‘contaminação’ do igualitarismo em toda a sociedade, o medicamento eficaz contra a crise é o amor às desigualdades sacrais e antiliberais estabelecidas por Deus para a ordenação de uma sociedade hierárquica.

Para macular esse plano divino, a classe nobiliárquica — que tinha outrora, com raras exceções, um comportamento exemplar consentâneo com sua dedicação ao bem comum — foi vítima de um gigantesco e multissecular complô visando demolir a hierarquia social e denegrir a missão da nobreza junto aos povos.

Isso ocorreu principalmente com a Revolução Francesa, cujos chefes conspiraram para abolir os poderes da nobreza e denunciá-la como uma classe egoísta voltada para seus próprios interesses, quando a evidência histórica provava o contrário, ou seja, o empenho dos nobres em defender as populações e sua heroica dedicação ao bem comum.

Basta ver no mundo inteiro as ações da nobreza em favor dos menos favorecidos — por vezes até morrendo em defesa deles em campos de batalha — e, sobretudo na Europa, as imensas obras de caridade fundadas por

Página seguinte