| MATÉRIA DE CAPA | (continuação)

cristão não pode considerar tais desigualdades senão como disposição desejada por Deus, pela mesma razão que Ele quis as desigualdades no interior da família, e portanto destinadas a unir mais os homens entre si na viagem da vida presente para a pátria celeste, uns ajudando aos outros do mesmo modo que um pai ajuda a mãe e os filhos.”11

Fidelidade à tradição e exercício das virtudes religiosas e cívicas

A profunda, onímoda e caótica crise que abalava a civilização no ano do lançamento de Nobreza e elites tradicionais análogas era muitíssimo mais grave do que aquela dos tempos do Pontificado de Pio XII (1939- 1958), transcorrido em parte durante a II Guerra Mundial.

O modus faciendi para enfrentar tão grave crise universal seria por meio de uma reação dessas classes sociais levando uma vida exemplar, esmerando as tradições familiares e, na sociedade temporal, defendendo os vestígios de civilização cristã ainda existentes em nosso século para, assim, impulsionar as tradições autênticas de cada povo. Desse modo, poder-se-ia esperar um soerguimento da humanidade em crise e um autêntico progresso rumo à restauração da Cristandade.

Essa tese é defendida pelo autor no livro em apreço em sua conclusão, que reproduzimos no final desta matéria [vide p. 36]. Como um farol durante as borrascas, ele orienta o rumo a seguir em meio ao caos que conturba toda a vida religiosa e temporal do mundo hodierno.

É o que também defende o Santo Papa Pio XII com suas palavras encorajadoras:

“Antes de tudo, deveis insistir numa conduta religiosa e moral irrepreensível, especialmente na família, e praticar uma sã austeridade de vida. Fazei com que as outras classes notem o patrimônio das virtudes e dos dons que vos são próprios, fruto de longas tradições familiares. Tais são a imperturbável fortaleza de ânimo, a fidelidade e a dedicação às causas mais dignas, a piedade terna e munificente para com os débeis e os pobres, o trato prudente e delicado nos negócios difíceis e graves, aquele prestígio pessoal, quase hereditário, nas famílias nobres, pelo qual se consegue persuadir sem oprimir, arrastar sem forçar, conquistar sem humilhar o ânimo do outro, mesmo dos adversários e rivais.

“A utilização destes dons e o exercício das virtudes religiosas e cívicas são a resposta mais convincente aos preconceitos e às desconfianças, pois manifestam a última vitalidade do espírito, na qual tem origem qualquer vigor externo e a fecundidade das obras.”12

O Prof. Plinio afirma em seu livro: “Homens dos nossos dias em número crescente voltam-se para ele [o nobre], a indagar com muda ansiedade se a nobreza saberá conservar esse impulso, e até ampliá-lo destemidamente, para assim ajudar a desviar o mundo do caos e das catástrofes em que vai submergindo.

“Se o nobre de nosso século se conservar cônscio dessa missão e se, animado pela Fé e pelo amor a uma tradição bem entendida, tudo fizer para se desempenhar dela, alcançará uma vitória de grandeza não menor do que a dos seus antepassados quando contiveram os bárbaros, repeliram para além Mediterrâneo o Islã, e sob o mando de Godofredo de Bulhão derrubaram as portas de Jerusalém.”13

Autêntico progresso não despreza o passado, é fiel à tradição

Na obra, ocupam especial realce belas páginas consagradas à defesa da excelência da autêntica tradição, que não contraria o progresso, mas o aperfeiçoa; não deve ser desdenhada — como o faz certa mentalidade progressista e marxista —, mas conservada como uma rica herança espiritual, moral, cultural e social que segue aprimorando de geração em geração. Como amostragem, transcrevemos um trecho da lavra do Prof. Plinio:

“O apreço a uma tradição é virtude raríssima nos nossos dias. De um lado, porque a ânsia de novidades, o desprezo pelo passado, são atitudes de alma que a Revolução14 tornou muito frequentes. De outro lado, porque os defensores da tradição a entendem por vezes de modo inteiramente falso. A tradição não é um mero valor histórico, nem um simples tema para variações de um saudosismo romântico. É ela um valor a ser entendido, não de modo exclusivamente arqueológico, mas como fator indispensável para a vida contemporânea.”15

E o Papa Pio XII, depois de lamentar que alguns compreendem mal a palavra “tradição” — como se fosse apenas uma lembrança de algo que não mais existe, de algo que não tem importância na vida, mas apenas para se conservar num museu —, define o verdadeiro sentido e o valor da tradição.

“Tradição é algo muito diverso dum simples apego a um passado já desaparecido; é justamente o contrário duma reação que desconfia de qualquer progresso sadio. Etimologicamente, o próprio vocábulo é sinônimo de caminho e de marcha para a frente — sinonímia e não identidade. Com efeito, enquanto o progresso indica somente o fato de caminhar para a frente, passo após passo, procurando com o olhar um incerto porvir, a tradição indica também um caminho para a frente, mas um caminho contínuo, que se desenvolve ao mesmo tempo tranquilo e vivaz, de acordo com as leis da vida, escapando à angustiosa alternativa si jeunesse savait, si vieillesse pouvait! [se a juventude soubesse, se a velhice pudesse]; semelhante àquele Senhor de Turenne,16 do qual foi dito: ‘Teve na sua mocidade toda a prudência duma idade avançada, e numa idade avançada todo o vigor da juventude’ (Fléchier, Oração fúnebre, 1676).

“Na força da tradição, a juventude, iluminada e guiada pela experiência dos anciãos, avança com passo mais seguro, e a velhice transmite e entrega confiante o arado a mãos mais vigorosas, que continuam o sulco já iniciado. Como indica o seu nome, a tradição é um dom que passa de geração em geração; é a tocha que, a cada revezamento, um corredor põe na mão do outro, e confia-lhe sem que a corrida pare ou diminua de velocidade. Tradição e progresso reciprocamente se completam com tanta harmonia que, assim como a tradição sem o progresso se contradiria a si mesma, assim também

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