CONCLUSÃO
Apesar da estupenda vitalidade que os povos europeus demonstraram após terem sido abalados no nosso século por duas guerras mundiais, é forçoso reconhecer que a recuperação dos efeitos produzidos pela última delas demandou pesado esforço e muito tempo.
Ao longo do período em que Pio XII pronunciou as suas quinze alocuções ao Patriciado e à Nobreza de Roma (1940 a 1958), o soerguimento econômico da Europa, iniciado com o fim do conflito, foi-se fazendo lentamente. E, de modo muito natural, o desvelo paterno do Pontífice levou-o a fazer múltiplas referências a essa situação crítica naquelas suas memoráveis alocuções.
Na década seguinte, porém, o ritmo ascensional da recuperação europeia acentuou-se sensivelmente, e nela se operaram os famosos “milagres econômicos”, denominados correntemente de “milagre alemão”, “milagre italiano” etc. Essa sucessão de “milagres” haveria de durar, de maneira que, por exemplo, o presente florescimento econômico da Espanha e de Portugal — que constituíam até aqui nações pouco favorecidas no Continente Europeu — ainda pode ser incluído, de algum modo, nesta série de “milagres”.
Com este surto de prosperidade — cujo auge Pio XII, falecido em 1958, não chegou a ver, mas ao qual a Constituição conciliar Gaudium et Spes entoava, em 1965, o seu hino de saudação e de júbilo — o quadro geral da Europa modificou-se sensivelmente.
A História dirá algum dia, com precisão, qual foi o papel da nobreza e das outras elites tradicionais neste soerguimento. O que, noutros termos, talvez permita avaliar a repercussão das notáveis diretrizes de Pio XII na conduta que estas classes tenham tido em favor da restauração econômica da Europa.
Sem nos abalançarmos a enunciar aqui a tal respeito um juízo preciso, quer-nos parecer que este papel foi considerável, embora proporcionado, em cada nação, aos meios de ação da aristocracia e das elites respectivas.
O certo é que, quando a Rússia soviética e as outras nações do Leste europeu começaram, em 1989, a tornar patente a trágica extensão do fracasso a que as haviam arrastado a ditadura do proletariado e o capitalismo de Estado, as nações europeias, os Estados Unidos e outros países mobilizaram com surpreendente presteza, para as ajudar, somas enormes... acerca das quais pouco é de esperar que sejam algum dia restituídas, pelo menos em parte considerável. Eram as grandes nações democráticas, na realidade orientadas e enriquecidas pela iniciativa privada, que implicitamente deixavam ver a toda a Humanidade o contraste — triunfal para elas — entre o Oeste e o Leste.
Porém, quanto se enganariam os que imaginassem, à vista desse quadro sumariamente esboçado, que pelo próprio efeito da prosperidade readquirida, as crises herdadas pelas nações do Oeste nas anteriores décadas deste século, e ainda agravadas por novos fatores, estavam resolvidas.
As fátuas teses de que a prosperidade é sempre o principal esteio da ordem e do bem-estar dos povos, e a pobreza a principal causa das crises que estes atravessam, desmentem-se facilmente à vista do que sucedeu na Europa do segundo pós-guerra.
Ia adiantado em 1968 o processo de cicatrização e de reflorescimento do Velho Continente, quando estourou a terrível crise da Sorbonne. Revelava esta a presença na juventude da influência torrencial e dissolvente de certas filosofias que, até então, eram tidas, em geral, como manifestações de extravagância de certos “elegantes” dos ambientes da cultura e do alto mundanismo.
A extensão das repercussões do fenômeno “Sorbonne”, na juventude “p’ra-frente” da Europa e do mundo, provou quanto era profunda a fissura que assim se mostrava aberta. A deterioração geral dos costumes, já deplorada por Pio XII, encontrou precisamente nessa atmosfera de riqueza e de extravagância um ambiente tão propício, que a crise moral e cultural do Ocidente chegou a criar para o mundo livre uma situação mais grave do que a das crises anteriores, meramente ou preponderantemente econômicas. E isto a tal ponto, que a extensão da prosperidade pôde ser apontada, a justo título, por observadores lúcidos e fartamente documentados, como um fator importante do trágico agravamento da crise moral.