P.36-37 | MATÉRIA DE CAPA | (continuação)

O que é preciso fazer nas épocas de grandes calamidades?

Em artigo escrito com o título acima para o jornal “Legionário”, no longínquo 4 de fevereiro de 1945, Plinio Corrêa de Oliveira faz um comentário muitíssimo oportuno, que serve como uma luva para os presentes dias de calamidades e guerras, particularmente aplicável à catástrofe que se abateu sobre o Rio Grande do Sul. Basta pensarmos nas cidades flageladas e no simultâneo show, o espetáculo carnavalesco de perversões morais na Praia de Copacabana. * * *

Sempre fomos contrários aos divertimentos carnavalescos. E especialmente durante o tempo de guerra. Consideramos censuráveis essas orgias de fundo pagão.

Com efeito, há entre todos os membros da grande família humana uma solidariedade objetiva e profunda, que torna indecorosas as diversões feitas em público, e com estrondo, quando tantos homens sofrem nos campos de batalha, e tantas famílias choram nos países em guerra.

A essa solidariedade natural de todos os homens, devemos acrescentar a solidariedade sobrenatural infinitamente mais preciosa, que a todos nos vincula, a todos os católicos, como membros do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a Igreja Católica. Devemos sentir, como se fossem praticados em nós mesmos, todos os crimes, todas as injustiças que sofrem nossos irmãos [...].

Opressos e perseguidos, nossos irmãos católicos? E nós nos divertimos, divertimo-nos — o que é mil vezes pior — ofendendo a Deus?

Nas épocas das grandes calamidades, é preciso gemer junto ao altar, é preciso rezar, é preciso fazer penitência, é preciso distribuir esmolas. Assim se aplaca a ira de Deus, se vencem os ímpetos desordenados da natureza e se expulsam os demônios.

Pelo contrário, nós abandonaríamos o altar pelo baile, a penitência pela orgia, e esbanjaríamos em futilidades o dinheiro das esmolas. Para quê? Para colocar nas mãos de Deus o látego com que devemos ser punidos?

Dedicação e coragem de Mons. de Belzunce, bispo de Marselha, durante a peste de 1720
– Nicolas André Monsiau (1754-1837). Museu do Louvre, Paris.

| PALAVRA DO SACERDOTE |

Por que Deus permite os castigos?

Padre David Francisquini

PERGUNTA – No nosso grupo de oração temos rezado muito pelas vítimas da tragédia no Rio Grande do Sul. Em nossas conversas, veio à tona a questão de por que Deus permite tanto sofrimento. Um dos participantes disse que via essa tragédia no Sul como um castigo pela difusão do ateísmo e do satanismo. Uma amiga respondeu que não podia ser, pois essa ideia de que Deus pune não é cristã, mas pagã, e que até tinha lido que um organismo do Vaticano declarou que as aparições e mensagens que anunciassem castigos não podiam ser sobrenaturais. Pergunto se isso é verdade. Obrigada.

RESPOSTA – Muitos têm me perguntado sobre o que achar da tragédia causada pelos temporais no Rio Grande do Sul. Aproveito para responder não somente a essa pergunta, mas também à questão geral de se é compatível com a bondade infinita de Deus o fato de permitir desastres que acarretem grandes sofrimentos a muitas pessoas.

Começo por confirmar a informação dada pela amiga da missivista, de que um dos organismos da Santa Sé — no caso específico, a Pontifícia Academia Mariana Internacional — criou recentemente um órgão denominado Observatório sobre aparições e fenômenos místicos ligados com a Santíssima Virgem, destinado a ajudar os bispos a fazerem o discernimento a respeito de tais fenômenos. Um dos membros do comitê diretivo desse Observatório é o frade franciscano Stefano Cecchin, que é também o presidente da referida Academia. Em várias entrevistas de imprensa, ele repetiu que, além dos aspectos materiais e morais, um dos principais critérios para se avaliar a autenticidade das aparições e mensagens da Virgem é o de se elas contêm anúncios de castigos, pois esse é um “sinal de alerta”: “Quer uma mãe castigar seus filhos, enviando-lhes doenças, a morte...? De nenhuma maneira. As aparições que falam de castigos de Deus são absolutamente falsas.”*

* https://alfayomega.es/stefano-cecchin-las-apariciones-se-examinan-con-lupa/

Essa afirmação do Pe. Cecchin é insustentável do ponto de vista teológico, pois contraria não somente o ensinamento do Antigo e do Novo Testamento, dos Padres e Doutores da Igreja, como também o do magistério constante dos Papas e da Hierarquia. Além do mais, o frade franciscano declara como sendo absolutamente falsas aparições marianas reconhecidas pela Igreja e que gozam até de uma festa litúrgica, como as da Medalha Milagrosa, La Salette, Lourdes e Fátima. Por fim, seu argumento é sentimental e falacioso, pois finge ignorar que em suas aparições Nossa Senhora afirma ser Deus quem vai castigar o mundo, e não Ela, cujo papel é advertir misericordiosamente a humanidade e pedir a sua conversão precisamente para evitar os castigos.

Castigo divino não é apenas na eternidade

O pressuposto da afirmação de que uma aparição que fale de castigos é absolutamente falsa só pode ser a de que Deus não castiga nunca. Contudo, tal pressuposto é desmentido nas Sagradas Escrituras e no Credo.

A começar pela verdade da existência do inferno — a Geena, da qual falei em artigo anterior —, lugar de tormentos espirituais e físicos, com a circunstância agravante de ser um castigo eterno. E não basta assegurar, como fez o Cardeal Fernández na apresentação do documento Dignitas Infinita (ver nossa edição anterior), que Deus se limita a respeitar a liberdade do homem que deseja afastar-se d’Ele.

Pelo contrário, no Credo professamos que Jesus “há de vir julgar os vivos e os mortos”. E deixou claro que, quando o Filho do Homem voltar na sua glória, Ele próprio separará os bons dos maus, e dirá a estes últimos: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25, 41).

Mas Deus não premia ou castiga os homens somente na eternidade, depois de seu percurso neste Vale de Lágrimas. Alguns recebem castigos ainda nesta vida, seja para incitá-los à conversão, seja para que paguem com mérito aqui na Terra o débito por suas faltas, em lugar de pagá-las sem mérito no Purgatório.

Quanto às entidades coletivas,

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