como nações, regiões, cidades, famílias etc., como elas não existirão na outra vida, são necessariamente premiadas ou castigadas por Deus aqui na Terra. É o que Santo Agostinho demonstra ao longo de sua obra A Cidade de Deus.
Disso dão testemunho as Sagradas Escrituras, que mostram Deus manifestando Seu julgamento no início da História da Salvação, nas vicissitudes do Povo Eleito, na vida de Nosso Senhor, nos primórdios da Igreja e no fim dos tempos. No início, Deus pronunciou sentença de castigo sobre toda a raça humana, como consequência da queda de seus representantes, os nossos primeiros pais (Gênesis 3).
Tanto a morte quanto as enfermidades e misérias que a precedem nesta vida de exílio foram consequências daquela sentença original. Depois houve duas novas condenações gerais por meio das grandes catástrofes constituídas pelo dilúvio (Gênesis 6, 5) e pela dispersão dos povos após a queda da Torre de Babel (Gênesis 11).
Outros castigos notáveis, que golpearam grupos humanos específicos, foram a destruição de Sodoma (Gênesis 28), as pragas do Egito (Êxodo 6 e 12), o terremoto que engoliu Coré e seus seguidores (Números 16), o mal que caiu sobre os povos vizinhos, opressores de Israel (Ezequiel 25 e 28), e o Cativeiro dos próprios judeus na Babilônia por terem se prostituído adorando falsos deuses (Jeremias). Todos esses castigos são apresentados na Bíblia como resultado de um julgamento divino.
Essa convicção de que Deus premia e castiga nesta Terra ficou tão ancorada no espírito do Povo Eleito que, no tempo de Nosso Senhor, muitos rabinos passaram a ensinar que todo o mal que sobrevém ao homem — inclusive às pessoas individualmente consideradas — é um castigo especial do alto. Nosso Senhor refutou essa interpretação errada.
Interrogado pelos seus discípulos se a cegueira de nascença de um homem com quem eles se cruzaram na estrada provinha de um pecado dele ou de seus pais, Jesus respondeu: “Nem este pecou nem seus pais, mas é necessário que nele se manifestem as obras de Deus”. De fato, depois de curado, aquele homem enfrentou corajosamente os fariseus que os haviam expulsado da sinagoga, e foi o primeiro a prostrar-se diante de Jesus e adorá-Lo (Jo 9, 1-41).
Jesus também negou que os galileus mortos por Pilatos, cujo sangue este misturou num sacrifício pagão, fossem mais pecadores do que os outros galileus, ou que os 18 homens que morreram esmagados pela Torre de Siloé fossem mais culpados do que os demais habitantes de Jerusalém (Lc 13, 1-4).
Mas, ao mesmo tempo, Nosso Senhor afirmou peremptoriamente que as cidades pecadoras seriam castigadas. Quando mandou os 12 Apóstolos pregarem, disse-lhes que, se numa delas não fossem recebidos ou não ouvissem suas palavras, ao saírem deveriam sacudir até o pó de seus pés, acrescentando: “Em verdade vos digo, no dia do juízo haverá mais indulgência com Sodoma e Gomorra que com aquela cidade” (Mt 10, 15).
E, após receber os discípulos de São João Batista, “Jesus começou a censurar as cidades, onde Ele tinha feito grande número de milagres, por terem recusado arrepender-se: ‘Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se tivessem sido feitos em Tiro e em Sidônia os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo elas se teriam arrependido sob o cilício e a cinza. Por isso, vos digo: no dia do juízo, haverá menor rigor para Tiro e para Sidônia que para vós! E tu, Cafarnaum, serás elevada até o céu? Não! Serás atirada até o inferno! Porque, se Sodoma tivesse visto os milagres que foram feitos dentro dos teus muros, subsistiria até este dia. Por isso, te digo: no dia do juízo, haverá menor rigor para Sodoma do que para ti!’” (Mt 11, 20-24).
Mais impressionante ainda é a profecia de Nosso Senhor sobre a destruição do Templo e da cidade de Jerusalém: “Dias virão em que destas coisas que vedes [as belezas do templo] não ficará pedra sobre pedra [...]. Quando virdes que Jerusalém foi sitiada por exércitos, então sabereis que está próxima a sua ruína. Os que então se acharem na Judeia fujam para os montes; os que estiverem dentro da cidade retirem-se; os que estiverem nos campos não entrem na cidade. Porque estes serão dias de castigo, para que se cumpra tudo o que está escrito” (Lc 21, 6, 20-22).
Em vista de todos esses testemunhos da Revelação, como é possível pressupor que Deus não castiga e afirmar que toda profecia de Nossa Senhora que fala de castigos é absolutamente falsa? Se o Pe. Cecchin tivesse vivido em Jerusalém no ano 70, seu preconceito o teria levado a não fugir para os montes e abandonar a cidade sitiada...
Postas essas premissas, estudemos rapidamente a espinhosa questão levantada por um dos participantes do grupo de oração, a saber, se as enchentes no Rio Grande do Sul podem ser consideradas um castigo divino.
A minha resposta é: tanto podem ser como não ser. A catástrofe é o resultado de fenômenos naturais introduzidos por Deus no Plano da Criação, com múltiplas finalidades dignas da Sua sabedoria e bondade. Ela pode acontecer com o intuito de obter um bem físico maior — como aquele de um ciclone, que ao mesmo tempo em que provoca danos purifica o ar —, como pode ser em função de um bem moral, como o de aguçar o espírito do homem, estimulando-o a estudar a natureza para se defender de seu poder destrutivo e favorecer assim o progresso da ciência.
Também, como acabamos de ver acima, a fé nos revela que Deus às vezes o faz para infligir um castigo exemplar. Mas, finalmente, uma tragédia pode ser uma manifestação benevolente da Sua misericórdia. Quem sabe quantas graças Deus pode conceder às vítimas, no meio do sofrimento, para salvá-las da morte eterna ou para uni-las a Ele e fazê-las ganhar grandes méritos por sua expiação?
Todo o mundo pode fazer conjecturas, mas ninguém pode saber ao certo (a menos que receba uma revelação privada) quais são os desígnios da Sabedoria infinita de Deus que O levaram a permitir uma tragédia. Esses desígnios são para nós um mistério insondável que vai muito além da capacidade de conhecimento das nossas inteligências limitadas.
Logo, conclui-se, em primeiro lugar, que as grandes catástrofes não são necessariamente um castigo, porque podem também ser uma
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