voz — certamente terrível, mas paterna — da bondade de Deus, com o intuito de nos lembrar que esta vida terrena é apenas uma passagem e que a meta última da nossa vida, que é imortal, se encontra além. Com efeito, se a Terra não trouxesse dificuldades e até catástrofes, exerceria sobre nós um fascínio irresistível pelo qual acabaríamos nos esquecendo muito facilmente de que fomos criados para o Céu.
Em segundo lugar, é preciso admitir que as catástrofes podem às vezes ser uma exigência da Justiça de Deus sob a forma de castigo. É precisamente esse o núcleo daquelas aparições de Nossa Senhora aprovadas pela Igreja, que ameaçam a humanidade com castigos se os homens não se arrependerem de seus pecados e não fizerem penitência, como os habitantes de Nínive (Jonas cap. 1-4).
Mas alguém poderia objetar que a catástrofe é cega, porque, ao punir os culpados, atinge também os inocentes. Como conciliar esse efeito ruim sobre os inocentes com a bondade de Deus e a Providência divina? A resposta é que Deus não poderia fazer um terremoto ou uma enchente que atingisse somente os culpados e respeitasse os inocentes, sem multiplicar os milagres ou modificar profundamente o plano da Criação.
Foi por isso que Ele mandou Noé construir a Arca antes do Dilúvio e ordenou a Ló e a sua família que saíssem de Sodoma antes de castigar a cidade (Gênesis cap. 6-8 e 19). Deus raramente poupa inocentes no meio dos castigos realizando um milagre; tampouco é obrigado a multiplicar milagres ou renunciar ao Plano da Criação para salvar a vida de inocentes.
Além disso, Deus é o Senhor da vida e da morte, acompanhando o homem na Terra e estabelecendo a hora e a forma de morte de cada um. Portanto, o inocente que morre em decorrência de uma catástrofe geral que pune os culpados se encontra nas mesmas condições de todos os justos surpreendidos pela morte. Para esses inocentes, a morte no meio da catástrofe não é um castigo de culpa pessoal, mas a execução de um decreto da Sabedoria divina para o bem deles, já que irão para o Céu.
Em resumo, diante das grandes catástrofes somos levados a ver somente a superfície das coisas, e não a sua substância íntima. Vemos o poder destruidor do cataclismo, mas não vemos o Plano de Deus escondido sob a força cega da natureza. Este desígnio divino nem sempre é o mesmo; ora é um mistério de justiça, ora é um mistério de misericórdia, mas é sempre um mistério da Sua infinita Sabedoria e Bondade.
Com essas considerações na alma, rezemos com afinco a Nossa Senhora Aparecida por todas as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, pedindo a Ela o reerguimento material, mas sobretudo espiritual, daquele grande Estado da Federação, chamado a uma alta vocação.
Certo dia o Pe. Jeffrey Kirby recebeu o convite de um jovem casal para uma conversa sobre liturgia e culto católico.*
O sacerdote se entusiasmava ao tratar desse tema com gente nova. Porém, mal começado o diálogo, os dois jovens entabularam críticas ao “ordo” da missa, suas repetições, seu excesso de sobriedade. Apontaram também para a “pobreza” das músicas, a ausência de “espírito de acolhida”, o tom demasiado sóbrio, a falta de “emoção” e “calor” nas homilias. Por outro lado, sugeriram música “animada”, mais companheirismo, um tom otimista, homilias menos “doutrinárias” e “dogmáticas”, mas com narrações comuns, pessoais, para melhor “interação” com o povo.
Em outras palavras, o casal ansiava que a missa católica se assemelhasse ao culto de igrejas protestantes pentecostais como — vem-me agora à memória um exemplo extremo —a espalhafatosa “Bola de Neve Church”!
O padre ouviu calmamente as críticas durante quase uma hora, sem replicar de imediato. Quando teve ocasião, indicou aos jovens uma intrigante lacuna em toda aquela série de sugestões. Disse-lhes, olhando-os nos olhos:
— Mas onde está Deus nisso tudo?
Uma pausa carregada de perplexidade se seguiu à pergunta. O intrigado casal bem que tentou explicar que suas ideias, no fim, ajudariam o povo a se aproximar de Deus. Porém ainda aí faltava a noção verdadeira de culto e adoração a Deus. O Pe. Jeffrey seguiu seu raciocínio em boa lógica:
— Ouçam, parece que suas sugestões serviriam para nos envolver, nos inspirar e nos entreter... mas onde entra nisso o culto “direcionado” a Deus? A liturgia não deveria ser feita para orientar e tranquilizar nossos corações e nossas mentes, tudo “em função” do verdadeiro culto a Deus? A liturgia não deveria ser feita, sobretudo, “por causa” de Deus e na qual nós nos colocamos com humildade e veneração, sem pretender nos tornarmos o centro?
Uma visível frustração transparecia nos semblantes dos dois jovens. Argumentaram ainda que suas palavras estavam sendo tiradas do contexto. Com muito tato, mas firmeza, o padre apontou que eles falaram por quase uma hora e a palavra “Deus” não tinha sido pronunciada sequer uma vez. Isso sim, indicava bem o “contexto” em que se inseriam.
— Mas padre, se o senhor fizer isso, mais pessoas virão à missa!
— Virão para quê? — replicou o sacerdote — Nossa meta não é simplesmente reunir um grande número de pessoas!
— Padre, o senhor não quer que mais pessoas venham?
— Sim, claro! Mas esse não é o objetivo do culto católico! O culto tem por finalidade a adoração oferecida a Deus. Não é principalmente um instrumento do qual a Igreja dispõe para a evangelização e o apostolado de atração de fiéis. Não devemos ajustar o culto simplesmente para que mais pessoas participem dele. Devemos cultuar, reverenciar Deus, e não os nossos próprios corações ou a nossa comunidade.
Meio desnorteado, o casal se despediu, retirando-se. A conversa com o Pe. Jeffrey virou o mundo deles de cabeça para baixo. Lamentavelmente, aquela foi a primeira vez em que as noções verdadeiras de culto e adoração, originadas na Revelação, na Tradição e no
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