contemporâneo que ameaça distorcer a nossa cultura e os nossos referenciais fundamentais. A melhor resposta é regressar às nossas raízes cristãs, que honram a complementaridade entre homens e mulheres e a sua vocação comum à santidade para se tornarem verdadeiras imagens de Deus.
A ideologia de gênero é um derivado do feminismo radical, nascido desta famosa declaração de Simone de Beauvoir: “Não nascemos mulher, tornamo-nos mulher.” Esta frase marcou uma ruptura, separando o sexo biológico dos papéis sociais e psicológicos associados, abrindo caminho para um questionamento fundamental da natureza sexuada do ser humano.
O termo “gênero”, inicialmente uma noção gramatical que classifica palavras como masculinas, femininas (ou neutras, em algumas línguas), foi sequestrado para abranger papéis e identidades sexuais. Assim como o gênero gramatical é arbitrário (em português se diz o sangue e o leite, mas em espanhol se diz la sangre e la leche), as feministas concluíram que uma pessoa pode assumir arbitrariamente um gênero diferente do seu sexo, dado que aquele é uma pura construção cultural. Denunciaram então a atribuição alegadamente arbitrária de papéis sociais aos sexos biológicos (por exemplo, vestir os bebês de azul ou rosa).
Essa ideia radicalizou-se com as demandas dos travestis e transgêneros, afirmando que a identidade de gênero deve ter precedência sobre o sexo biológico. Assim, os tratamentos com hormônios e as cirurgias mutilantes tornaram-se ferramentas para conformar a aparência física aos sentimentos subjetivos.
A filósofa Judith Butler levou esta lógica ao extremo, argumentando que a identidade humana não é estável, mas resulta de uma série de performances fluidas e mutáveis. Esta ideia deu origem à “teoria queer”, uma extensão dos pensamentos pós-estruturalistas de Michel Foucault, que via a heterossexualidade como uma construção cultural imposta.
Embora os termos “gay”, “lésbica”, “bissexual” e “transexual” na sigla LGBT designem identidades distintas e relativamente bem definidas, a introdução da palavra “queer” e do sinal “+” amplia o espectro das identidades sexuais e de gênero, integrando identidades fluidas, mutáveis e indefinidas, desafiando não só as categorias tradicionais, mas também aquelas consideradas desviantes.
Como resultado, a grande maioria das pessoas normais que não questionam o seu sexo de nascimento são chamadas pejorativamente com o neologismo “cisgênero”, carregado de repúdio à “heteronormatividade”. Agrega-se a dita etiqueta um conceito não científico, o de “fobias” (homofobia, transfobia etc.), para estigmatizar aqueles que defendem uma moralidade baseada no direito natural. De fato, a raiz da ideologia de gênero está numa revolta contra a ordem natural estabelecida por Deus, Criador do homem e da mulher.
Como escreveu Alphonse Allais, “uma vez ultrapassadas as barreiras, não há mais limites”.
Mas, o que deve ser lembrado quanto ao elemento woke da ideologia de gênero e do seu discurso, é que ele se alimenta da vitimização sistemática e da transferência da luta marxista do campo econômico para a luta entre um grupo social supostamente oprimido (as minorias sexuais) e um opressor (a maioria heterossexual). Esta estratégia visa desconstruir a sociedade tradicional e promover um relativismo moral que abra a porta a todos os excessos, gerando situações absurdas, preocupantes e muitas vezes prejudiciais.
Eis alguns exemplos que ilustram essa tendência:
Iniciativas como as de alguns municípios, onde drag queens organizam sessões de leitura para crianças em bibliotecas públicas, visando normalizar estes falsos modelos entre os pequeninos. Essas atividades, sob o pretexto da diversidade, introduzem conceitos complexos sobre o gênero na imaginação das crianças, perturbando a sua compreensão natural da sexualidade e da identidade.
A ideia de fornecer apenas brinquedos de gênero neutro às crianças, para lhes permitir escolher livremente o seu gênero e orientação sexual, também visa impor-lhes uma visão ideológica ignorante da natureza humana. Mesmo quando tentamos impor uma educação neutra, as crianças voltam espontaneamente a comportamentos correspondentes ao seu sexo biológico. Uma ilustração disto foi a história de Lawrence Summers, antigo secretário do Tesouro na administração Clinton, que foi pressionado a renunciar ao cargo de reitor da Universidade de Harvard por ter falado numa palestra sobre diferenças inatas entre os sexos. Ele disse que presenteou suas filhas gêmeas com caminhões, num esforço para educá-las sem gênero. Mas elas os tratavam como bonecas, chamando o maior de “mamãe caminhão” e o menor de “bebê caminhão”.
Na França, uma circular do Ministério da Educação de 2021 incentivava as escolas a permitir que os chamados estudantes transexuais tivessem acesso a espaços de intimidade (toaletes e vestiários) correspondentes à sua pretensa identidade subjetiva. Pior ainda, estas diretivas também se aplicavam a viagens escolares, nas quais os estudantes transexuais poderiam partilhar um quarto de acordo com o gênero assumido, apesar da relutância legítima dos parceiros de quarto, especialmente das moças. Esta prática, já existente em estabelecimentos penitenciários de alguns países, tem levado a graves abusos, como casos de violação.
As associações também são vítimas de demandas absurdas ligadas às questões transgênero. A presidente
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