mesmo ódio contra o vício, a mesma vontade em todas as coisas e, enfim, uma conformidade tão maravilhosa, que não se podia notar alguma diferença de sentimentos nesse grande número de ações que tornaram suas vidas tão agradáveis aos olhos de Deus, e tão admirável diante dos homens!”2
Apesar de a rainha Cunegundes ser muito popular por suas obras de caridade, socorrendo com amor materno os pobres, órfãos e viúvas, algumas línguas, insufladas pelo pai da mentira, ousaram acusar junto ao marido a inocência dessa casta princesa. Para fazer calar esses murmuradores, ela se submeteu ao chamado Julgamento de Deus, comum na Idade Média, que consistiu em passar com os pés descalços sobre brasas ardentes. O que ela fez sem receber nenhum mal, para alegria do marido. Isso foi considerado o primeiro milagre da augusta princesa.
Além de sua entrega às obras de misericórdia, Cunegundes é também conhecida por sua ardente vida espiritual. Dedicava-se continuamente à oração e à devoção, consagrando em cada dia um tempo para a meditação e a contemplação. Sua fé profunda e sua confiança em Deus induzia os que a rodeavam na corte imperial a se reafervorarem na vida de piedade.
Santa Cunegundes era ativa também politicamente. “O título de ‘consors regni’ (que significa ‘parceira no governo’) para as esposas dos governantes otonianos, [isto é, descendentes de Otão I], era frequentemente usado em cartas. Em um terço das cartas restantes de Henrique, Cunegundes surge como uma defensora ou iniciadora [de muitas obras de seu esposo]. Como a conselheira mais próxima de seu marido, ela participou de conselhos imperiais. Ela também é relatada por ter exercido influência sobre seu marido em suas doações de terras para a Igreja. Isso incluía a catedral e o mosteiro em Bamberg, Baviera, na atual Alemanha”.3
Em 1014 o casal real recebeu em Roma a coroa imperial das mãos do Papa Bento VIII.
Nos 27 anos que se seguiram ao momento em que cingiram a coroa imperial, os dois santos esposos notabilizaram-se pela felicidade que proporcionaram a seus súditos com a paz e prosperidade de seu reinado.
Foi durante ele que Santa Cunegundes padeceu de uma doença muito grave. Fez então voto de que fundaria um mosteiro beneditino em Kassel caso se recuperasse. Este estava sendo construído quando, em 1024, Santo Henrique faleceu, vendo-se ela obrigada a assumir o cargo de Regente do Império. Para isso, contou com a ajuda de um irmão.
Cumpre ressaltar que nessa época a santa estava relativamente pobre, devido à enorme riqueza que ela e seu esposo haviam dispendido em obras de caridade.
Quando Conrado II (990-1039) foi eleito para suceder a Santo Henrique em 8 de setembro de 1024, Santa Cunegundes viu-se livre para entregar-se ao que mais almejava: ser totalmente de Deus.
Ocorreu então que, em 1025, no aniversário da morte de Santo Henrique, Cunegundes desejou que fosse realizada a dedicação do mosteiro que havia construído, tomando nele, durante a cerimônia, o véu religioso. Nos 15 anos em que ali viveu até sua morte, rezou, leu e trabalhou ao lado de suas irmãs religiosas.
Enfim, em março de 1033, quando sentiu que seu fim se aproximava, preparou-se para apresentar diante do tribunal de Deus. Entretanto, vigilante ao extremo até o início de sua agonia, vendo que preparavam o tecido mortuário para cobrir seu corpo, notou que este estava entremeado de bordados a ouro. Disse então: “Esse tecido não me convém, retirai-o. Quando eu esposei um homem mortal, portei ricas vestes. Mas o pobre hábito que trago hoje é o de esposa de Jesus Cristo. Não procurai, pois, outros ornamentos para cobrir meu corpo, e enterrai-me junto de meu irmão e senhor, o imperador Henrique, que me chama, e eu o vejo.” Com essas palavras entregou sua alma a Deus.
Santa Cunegundes faleceu em 1033 de causas naturais e foi enterrada na Catedral de Bamberg, na Baviera, perto de Santo Henrique II. Sua vida exemplar e os vários milagres atribuídos a ela levaram à sua canonização em 1200 pelo Papa Inocêncio III, 53 anos após a canonização de seu marido Henrique II, em julho de 1147.
Na preparação do dossiê para a canonização de Cunegundes, escreveu-se a sua biografia. Esta e a bula papal para a sua canonização relatam vários de seus milagres.
Ela é reverenciada como a santa padroeira de Bamberg, Alemanha (tanto da arquidiocese quanto da cidade em si), Lituânia, Luxemburgo e Polônia.
Dela diz o Martirológio Romano Monástico, do Mosteiro de Solesmes, no dia 3 de março:
“Perto de 1033, Santa Cunegundes. Com a aquiescência de seu marido, o imperador Santo Henrique II, preservou a virgindade, que havia consagrado antes do seu casamento, e fez, por ocasião de sua coroação em Paderborn, grandes doações a diversas igrejas. Após a morte do imperador, retirou-se para um mosteiro que havia fundado em Bamberg, esquecendo-se e se esforçando para que se esquecessem de sua antiga realeza.”