"Quatro cardeais levantaram de modo oficial diante do Papa Francisco, respeitosamente, dubia (pontos questionáveis) sobre este tema, mas o Pontícice jamais respondeu"
(continuação)
comum e fora do marco científico, mudança de paradigma indica, segundo o conhecido escritor George Weigel, "uma dramática, repentina e inesperada mudança no pensamento humano; portanto, algo à maneira de um novo começo".
Catolicismo — Como se pode aplicar essa expressão ao Pontificado do Papa Francisco?
J. A. Ureta — Nos limites dentro dos quais a expressão mudança de paradigma pode ser aceita, tem havido e ainda haverá tais mudanças na história das ciências. Mas cogitar num novo modelo conceitual para a Igreja fundada por Jesus Cristo, é uma empresa muito audaciosa, para dizer pouco. A Igreja Católica recebeu em depósito a Revelação divina, cujo conteúdo imutável foi explicitado por um Magistério constante e coerente durante vinte séculos. No entanto, o próprio Papa Francisco usou a expressão, augurando que uma "mudança radical de paradigma" possa inspirar uma "corajosa revolução cultural" na formação acadêmica católica. Isso pode ser visto na recente Constituição dedicada ao ensino universitário católico.
Conceitos como revolução cultural e mudança de paradigma trazem por si mesmos à mente a ideia de ruptura ou de descontinuidade em relação a modelos precedentes. O conceito vem sendo aplicado sobretudo à teologia moral, que inclui a doutrina social da Igreja, abrangendo portanto a maneira de o catolicismo se relacionar com a sociedade contemporânea nos campos mais diversos – das ciências em geral à economia, da política à diplomacia. Segundo a opinião de uma alentada equipe de bispos e de estudiosos não desprovidos de poder, seria necessária uma mudança de paradigma em todas essas esferas.
Catolicismo — No contexto analisado, o senhor julga que os católicos estão percebendo essa "mudança de paradigma"?
J. A. Ureta — Inúmeros fiéis vêm fazendo ouvir suas vozes, outros permanecem num silêncio perplexo, todos se perguntando para onde ruma a Igreja, e que perspectivas se abrem ao fim deste quinquênio do atual pontificado. Há uma preocupação difusa de que tal mudança coloque em risco um dos fundamentos da Igreja, isto é, a sua unidade. O debate a respeito da mudança de paradigma é indicativo de uma crescente e profunda divisão nos ambientes católicos.
Catolicismo — O senhor poderia dar exemplos?
J. A. Ureta — Entre os numerosos estudos, um caso emblemático envolve duas personalidades eclesiásticas de notável relevo, a propósito do acolhimento sacramental aos divorciados civilmente recasados. O debate eclodiu após uma proposta do cardeal Walter Kasper no consistório de fevereiro de 2014, e continua até hoje.
As duas personalidades são o Cardeal Blase Cupich, arcebispo de Chicago, em conferência pronunciada em Cambridge, Inglaterra, sob o expressivo título "A Revolução da misericórdia do Papa Francisco: Amoris lætitia como um novo paradigma da catolicidade". De outro lado o Cardeal Gerhard Müller, Prefeito emérito da Congregação para a Doutrina da Fé, em artigo publicado dez dias mais tarde na revista americana "First Things", com título não menos significativo: "Desenvolvimento ou corrupção?". A divergência entre ambos é total.
O Cardeal-arcebispo de Chicago defende a necessidade de uma mudança de paradigma "simplesmente revolucionária" na maneira de considerar a relação entre a doutrina moral e a prática pastoral, a fim de responder positivamente, conforme deseja o Papa Francisco, aos apelos surgidos das "situações" dos homens de hoje. Para o cardeal norte-americano, tal mudança consiste acima de tudo numa inversão dos fatores: a doutrina e a lei devem ser subordinadas à vida tal como ela é vivida pelo homem contemporâneo. A Igreja não ensina, mas aprende da realidade social e a acompanha nas suas diferentes situações, sem a pretensão de querer impor uma "coleção de verdades abstratas e isoladas". A mudança de paradigma consiste também em compreender que Deus está presente e se revela até mesmo nas situações que a Igreja definiu até aqui como pecaminosas.
À voz do purpurado americano, muito relevante em função do seu cargo, juntam-se as de muitos outros prelados, teólogos e estudiosos de destaque, que antes ou depois dele saudaram e saúdam com entusiasmo a mudança de paradigma como uma autêntica refundação da Igreja, uma reinterpretação profunda da mesma, uma releitura das Escrituras e do Evangelho, uma nova concepção de sua missão de salvação à luz daquilo que Deus estaria revelando aos homens contemporâneos através das atuais condições da sociedade.
Em sentido oposto ao enfoque do Cardeal Blase Cupich, encontramos prelados e teólogos que, mesmo admitindo como legítimo o conceito de mudança de paradigma em campos como a ciência, a política ou a economia, consideram-no inaceitável se aplicado à interpretação da substância dos artigos da fé. Entre esses destaca-se o cardeal Gerhard Müller, até há pouco Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o qual sustenta no seu artigo a "First Things": "'Jesus Cristo é sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda a eternidade' (Hb 13, 8). Esse é o nosso paradigma, que não mudaremos por nenhum outro. Porque, 'quanto ao fundamento, ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto, que é Jesus Cristo' (1 Cor 3, 11)".
Catolicismo — Qual é o fundo teológico e psicológico dessas propostas de mudanças radicais na Igreja?
J. A. Ureta — Segundo o cardeal Müller, os promotores da mudança de paradigma caem no erro do modernismo, e até mesmo do gnosticismo, pois introduzem "um princípio interpretativo inusitado para dar uma orientação completamente diferente a todo o ensinamento da Igreja". Acobertam essa operação sob o pretexto de uma reviravolta pastoral, mas na realidade escondem uma capitulação diante da velha tentação de adaptar-se à mentalidade imperante no mundo. Para o teólogo alemão, o autêntico crescimento da compreensão da Revelação de Deus "não se dá em razão de alguma exigência natural, nem com a crença liberal no progresso". Além disso, lembra que "a autoridade do magistério papal se baseia
Legenda:
Para todos os católicos não é negociável a defesa da vida humana inocente desde a concepção até a morte natural, como também a oposição às uniões civis homossexuais.