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Tragada foi...

(continuação)

Eis que vou dizer-vos um mistério: todos ressuscitaremos, mas nem todos seremos mudados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta, porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis: nós seremos mudados. Porquanto é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que este corpo mortal se revista da imortalidade. E, quando este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: tragada foi a morte na vitória”.

Com estas palavras magníficas, São Paulo (I Cor, 15, 51-54) anuncia às gentes a boa nova da ressurreição da carne.

Nossa ilustração representa piedosas mulheres velando um cadáver numa pequena aldeia da católica Espanha. Estão consternadas pela dor da separação. Mas em seu sofrimento não há desespero, nem acidez, nem revolta. Uma atmosfera de serena conformidade, suave resignação e prece recolhida domina o ambiente. Trata-se de um verdadeiro lar cristão; e por todos os recantos do universo, onde quer que haja um lar cristão rico ou pobre, ferido pela morte, a atmosfera será sempre esta. Os verdadeiros filhos da Igreja, com efeito, creem na ressurreição da carne e sabem que pela Redenção do gênero humano “tragada foi a morte na vitória”.

Frente à morte, duas atitudes extremas

O espírito do mundo não entende estas coisas, e por isto toma em relação à morte atitudes de todo em todo diversas da que é própria do católico genuíno. Na raiz de tudo, o pavor, um pavor pânico, que à vista da sepultura convulsiona todo o ser, perturba toda a lucidez, destrói toda a coragem.

As misérias grandes e pequenas que este terror ocasiona são quase incontáveis: o receio de ir ao médico, e ali receber um diagnóstico ameaçador; o medo de fazer testamento; o horror de presenciar a agonia de alguém; o desagrado profundo de participar de funerais, de usar luto, e até de dar pêsames — são fenômenos nervosos confessados ou inconfessados, e tão generalizados que seria supérfluo insistir sobre eles.

Outro aspecto do terror diante da morte está nos cuidados exagerados com a saúde, no medo de envelhecer, na propensão de cada qual a esquecer sua própria idade. E assim se vai chegando até o momento inelutável. Quando por fim os dedos da morte pousam sobre alguém, e o vão levando indisfarçavelmente para a grande e última viagem, estas misérias ainda mais se acentuam. Quantas vezes o doente — contando com a cumplicidade de médicos e amigos — procura iludir-se até o fim sobre a gravidade do próprio estado. Quando já não há remédio senão reconhecer que os instantes supremos chegaram, o doente não tem coragem de olhar para a frente, para o ocaso que o vai envolvendo, para a escuridão que se aproxima, e prefere voltar-se para o passado: são as despedidas intermináveis, as reminiscências, os últimos presentes etc. Até que o desfecho final sobrevém, arrastando tudo em sua voragem.

Está consumado o fato, irrompeu a morte dentro do lar, cabe aos vivos tomar atitude perante ela. Os que tinham ao morto um afeto sincero ficam estarrecidos, estertoram, revoltam-se. São os prantos trágicos, os gritos lancinantes, as prostrações profundas e sem remédio. Outros, pelo contrário,

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A dor – Émile Friant (1898). Musée des Beaux-arts de Nancy, França.