Assim, as relações entre pessoas que professam sistemas ideológicos opostos restringiram-se a um estilo que está em contradição com o fundo mesmo da realidade. Cada parte, no diálogo stricto sensu, apresenta seus argumentos, e a outra parte os combate, por sua vez, com outros argumentos. Mas, em essência, esta troca de argumentos não é uma discussão, em nenhum sentido do termo. Nenhuma das partes se aplica a persuadir a outra e a trazê-la para o seu próprio campo ideológico.
Não há, propriamente, vitória, derrota, ou luta doutrinária, nem mesmo sob as numerosas formas perfeitamente cordiais que esta pode revestir. Há apenas a afirmação de uma tese e de uma antítese. Afirmação dolorosa por vezes, prolongada, mas quão paciente e cortês! Da fricção destas afirmações nascerá, pouco a pouco, um processo de elucidação ao longo do qual cada parte precisará melhor sua própria posição, despojando-a das escórias acidentais que lhe velavam a expressão plena.
Mas, ó alegria, no termo final deste processo se patenteia que a tese e a antítese, clarificadas e simplificadas, não são mais do que uma e mesma coisa. A síntese, que estava em gestação na tese e na antítese, nasce enfim para a luz do dia.
Não há, pois — tal como dizíamos — verdadeira discussão, nem vitória, nem derrota. O diálogo não é, essencialmente, senão um “ludus”. Eis o conceito estranho que se dá ao termo “diálogo” em meios “superecumênicos” e outros.
Desse modo, como se vê, o vocábulo em questão foi noyauté, isto é, substituiu-se ao seu conteúdo original um conteúdo hegeliano. Para os entusiastas deste gênero do diálogo, não há mais verdade absoluta, nem erro. Deslizando sobre a palavra “diálogo”, na maioria das vezes sem se dar conta disso, eles imergem no relativismo evolucionista de Hegel.
De Hegel sim, o mestre de Marx. Não é difícil perceber quanto este deslizar é proveitoso para a doutrina marxista.
Assim, concebe-se facilmente que, para os marxistas, os católicos devem ser divididos, nesse particular, em duas categorias:
1 – os que não “deslizaram”, aqueles que têm fé numa doutrina historicamente revelada, objetiva e absolutamente verdadeira, e que, pois, rejeitam o relativismo hegeliano;
2 – os outros, que “deslizaram”, e para os quais a doutrina católica e a doutrina marxista não são, uma em face da outra, mais do que constelações de teses e de antíteses, contendo cada uma, ao mesmo tempo que as escórias das formulações impuras, a síntese que através delas forceja dialeticamente por vir à luz. Os primeiros são inimigos irredutíveis, em toda a extensão do termo. Contra eles não se emprega a discussão nem a polêmica, mas o campo de concentração, a prisão ou o pelotão de fuzilamento. Os outros são, no fundo, colaboradores, que aceitam a base filosófica do marxismo — isto é, a doutrina relativista — e que, esgrimindo na aparência contra este, mantêm com ele o jogo absolutamente pacífico do diálogo, e o ajudam, por meio da fricção, a destilar na tese e na antítese de hoje a síntese de amanhã.
Eis, pois, onde pode conduzir o abuso, habilmente imaginado por uns, ingenuamente aceito por outros, da palavra diálogo”.
PERGUNTA – Na entrada da igreja dos padres sacramentinos da minha cidade há um grande painel com desenhos de episódios da vida de São Pedro Julião Eymard, o fundador da congregação deles. Embaixo há três datas significativas: de seu nascimento, de sua morte e de sua canonização. Mas o falecimento é chamado de “ressurreição”. Ora, no Catecismo se aprende que a pessoa que morre não ressuscita agora, mas só no juízo final, quando haverá a ressurreição da carne, ou seja, a ressurreição de todos os homens. Nosso Senhor ressuscitou algumas pessoas, mas acho que na verdade não foi propriamente uma ressurreição, mas apenas um reavivamento, pois Ele deu a vida novamente àquelas pessoas que depois voltaram a morrer. Lázaro, por exemplo, que depois de ressuscitado morreu de novo, como bispo na França. Enquanto a pessoa que ressuscita não morre mais e viverá eternamente, no Céu ou no inferno. Se meu arrazoado estiver certo, o que pensar da data da “ressurreição” no quadro de São Pedro Julião Eymard?
RESPOSTA – Nosso missivista tem toda a razão de ficar surpreso com o painel no qual o dia da morte de São Pedro Julião é designado como o de sua “ressurreição”. Tradicionalmente, o termo “Dia da Ressurreição” na teologia católica refere-se especificamente ao evento futuro da Ressurreição Geral no fim dos tempos, quando todos os mortos serão ressuscitados para o julgamento final (como descrito em 1 Cor 15,1; Tes 4,13-18; e no livro do Ap 20,11-15). Também é comumente usado para se referir ao Domingo de Páscoa, que celebra a Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
O dia da morte de um santo canonizado é mais apropriadamente chamado “dies natalis” (“dia de nascimento”), o que significa o seu nascimento para a vida eterna junto com Deus, da qual o bem-aventurado gozou desde seu juízo particular, talvez passando pelo Purgatório — até Santa Teresa d’Ávila teve que deter-se lá para fazer uma genuflexão —, porque sua alma é imortal. Por isso é que a Igreja tem o costume de fixar o dia do falecimento do santo como a comemoração de sua festa. Portanto, embora a entrada do santo no Céu seja celebrada, ela nunca foi chamada “Dia da Ressurreição”, pois ele aguarda no Céu a ressurreição do seu corpo de acordo com a escatologia católica.
Chamar de “ressurreição” a passagem desta vida à vida eterna pode indicar simples ignorância da parte de quem compôs o painel (mas, nesse caso, não se compreende que os responsáveis pela igreja não tenham corrigido esse erro crasso) ou, então, hipótese pior, que os próprios responsáveis adiram à ideia herética que o Modernismo pregava sobre a Ressurreição de Nosso Senhor, negando o seu aspecto corpóreo.
Com efeito, os modernistas — e principalmente Alfred Loisy — afirmavam que a Ressurreição de nosso Salvador não foi propriamente um fato de ordem histórica, mas um fato de ordem puramente sobrenatural, meta-histórico, não comprovado nem comprovável, consistente na entrada de Cristo na vida imortal com Deus. Suas aparições durante os 40 dias e a própria Ascensão não teriam sido fatos corporais, mas vi-
Página seguinte